terça-feira, 27 de julho de 2010

África:diversidade e grande realizações






África do Sul: diversidade cultural, étnica e aventureira

1 2 3 4 5 6 7 8 Nove províncias formam o território da África do Sul, país que atrai os olhares de todo mundo neste ano de 2010 por conta da Copa do Mundo. Além das belezas naturais e diversidades, o país oferece uma grande variedade também para o turismo de aventura.
Ao se tratar do continente africano, a primeira idéia que se remete são os desertos e os safáris. Em Limpopo, o destaque fica para o Kruger Park, o maior Parque Nacional do país, que proporciona aos turistas rotas preferidas para os safáris que trazem a vida selvagem da região. Adrenalina mesmo fica por conta de Eastern Cape: Bloukrans Bridge, sobre o rio Storm, abriga um dos mais altos bunge-jump do mundo, com 180 metros, a 193 km/h, exatos sete segundos de pura emoção.

Para quem busca mais emoção e adrenalina, o destino certo é Mpumalanga, a capital sul-africana dos esportes radicais e de aventura. Na Reserva Natural Canyon Blyde River, as paisagens, rios, cânions e montanhas formam o cenário perfeito para a prática de caminhadas, cavalgadas, mountain bike, pesca, paraquedismo, rafting e canyoning. Em Waterval Boven, o destaque fica para a prática de montanhismo e rapel, nas mais variadas formações rochosas.

Em busca de esportes náuticos e muito mergulho, as províncias de Kwazulu Natal e Western Cape são as dicas. Em Western Cape encontra-se a Cidade do Cabo e o Cabo da Boa Esperança/ Cabo das Tormentas, locais ideais para velejar na costa e realizar mergulho em naufrágios. Outro bom ponto para o mergulho fica na Baía de Sodwana (Kwazulu), pela variedade da fauna e flora submarina.

Rota cultural - Para quem busca o turismo voltado para a cultura, a África do Sul, berço da civilização, mas duas províncias se destacam. Guateng, onde está localizada a cidade de Joanesburgo, é uma das mais ricas do país e onde está o Museu do Apartheid, que conta a história por meio de fotografias, filmes e artefatos.

Em North West, a Aldeia Cultural de Lesedi leva o turista a conhecer a cultura por meio da culinária, danças típicas e costumes. Free State é voltada para o ecoturismo, e o Parque Nacional Golden Gate Highlands, com 11.600 hectares, é o local ideal para passeios, prática de esporte e visita à museus.


PAISAGENS E SOCIEDADES


Na África do Sul, convivem - em harmonia - o fascinante mundo selvagem, com suas savanas, florestas, praias deslumbrantes, beleza natural incomparável e um notável progresso alcançado, com modernas arquiteturas, museus, shoppings, restaurantes e hotéis de alto padrão; tudo rodeado por um rico patrimônio cultural.

Banhada pelo Oceano Atlântico na costa oeste e pelo Oceano Índico na costa leste, a África do Sul faz fronteiras com Moçambique, Zimbabwe, Botswana e Namíbia.

O país possui três capitais: uma executiva (Pretoria), uma legislativa (Cape Town) e uma judiciária (Bloemfontein), oferecendo 11 línguas como idiomas oficiais, sendo que o inglês é o mais falado e é o idioma adotado pelo governo sul-africano.

A África do Sul possui uma população inferior a 50 milhões de habitantes, que estão divididos em nove províncias, são elas: Western Cape, Eastern Cape, Gauteng, North-West, Limpopo, Mpumalanga, KwaZulu-Natal, Free State e Northern Cape.

A moeda local é o Rand sul-africano, que pode ser adquirido aqui no Brasil. Outra opção é trocar as moedas estrangeiras ou travellers cheques nos aeroportos, hotéis, bancos ou nas casas de câmbio espalhadas pelas principais cidades.

Em praticamente todo o país, encontramos um clima quente e agradável durante a maior parte do ano, com exceção dos meses de inverno, em que as noites costumam ser frias. A região de Cape Town, no extremo sul do país, apresenta uma pequena zona de clima mediterrâneo com um verão quente e chuvas leves no inverno. Já nas outras partes do país, as chuvas são mais comuns nos meses de verão. Climas de montanhas e desérticos também são encontrados no país.

Certamente, uma das maiores preciosidades da África do Sul é a sua fauna, composta por diversas espécies de aves, répteis e mamíferos de pequeno a grande porte, destaque para os “cinco grandes” (Big Five): leão, leopardo, búfalo, elefante e rinoceronte. Com intuito de preservar esses animais, foram criados parques nacionais e reservas provinciais que oferecem amplas oportunidades para vivenciar a inesquecível experiência dos safáris.

A fascinante sociedade sul-africana é calorosa, tenaz e hospitaleira, onde o africano se encontra com o europeu e o moderno se encontra com o tradicional, fazendo com que as tendências globais entrem em contato com os costumes antigos. A diversidade cultural do país inclui também um rico patrimônio na religião, música, dança e arte.

A culinária é bem requintada e diversificada, e os vinhos sul-africanos estão entre os melhores do mundo.

Esse país é sinônimo de rico patrimônio histórico, vida selvagem abundante e um espírito extraordinário resultante de uma nação multicultural, cujos cidadãos se orgulham de chamar de “lar”.






1ª. Parte - África: cultura material e história Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre Homem e Natureza. De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da sobrevivência material, mas também espiritual, intelectual e artística, o que ficou à margem da compreensão nas bases do pensamento ocidental, como se a reflexão entre Homem e Cultura fosse seu atributo exclusivo, e como se Natureza e Cultura fossem fatores antagônicos. E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse também os povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos estariam num estágio cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural, mas econômica também, os europeus estavam em busca de suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa distorção. Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com o mundo ocidental, em particular antes da colonização, não pode ser compreendida tomando-se como referência a organização dominante adotada pelas sociedades ocidentais. Normalmente fica no esquecimento, dado ao fato colonial, que não existe uma África anterior, a que se convencionou chamar África tradicional, diversa e independente, com suas particularidades sociais, econômicas e culturais. As sociedades ocidentais, assim chamadas por oposição às não-ocidentais (não-européias), se estruturaram fundamentalmente sob o modo de produção capitalista. Além disso, o modo de produção dominante (não existe apenas um) numa sociedade pode nos dizer muito sobre a vida dessa sociedade, mas certamente não comporta explicações de todas as dimensões de como os homens que a constituem compreendem sua vida e modelam sua existência. A degeneração da imagem das sociedades africanas, de suas ciências, e de seus produtos é resultado do projeto do Capitalismo, que difundiu a idéia de que o continente africano é tórrido e cheio de tribos perdidas na História e na Civilização. É resultado também do etnocentrismo das ciências européias do século XIX. É necessário, pois, ver de que História e de que Civilização se trata. E do ponto de vista histórico-econômico, o imperialismo colonial na África é meio e produto do Capital, uma das grandes invenções que vem desde a era dos Descobrimentos reforçada ainda mais pela consolidação do Liberalismo. O viés econômico da História é um importante instrumento da Ideologia do Desenvolvimento, tipicamente ocidental. Dentro dessa linha de raciocínio, o Capital emerge de fora das sociedades de que tratamos para regrar suas atividades econômicas de modo diferente, conforme interesses externos aos dessas sociedades produtoras e dos povos que as constituem, modificando as relações sociais e impondo um novo modelo de pensar e agir. As sociedades africanas tradicionais (ou pré-coloniais) tinham em suas atividades econômicas uma das formas de sobrevivência, de acordo com o meio ambiente em que viviam, de suas necessidades materiais e espirituais, e de toda uma tradição anterior de várias técnicas e tipos de produção. Havia muitos povos nômades, que precisavam se deslocar periodicamente, e havia povos sedentários, que fundando seus territórios, chegaram a constituir grandes reinos, desenvolvendo atividades econômicas produtivas, tanto de bens de consumo como de bens de prestígio (em que se destacam várias de suas artes de escultura e metalurgia). O que a história oficial procurou velar é que os africanos desenvolveram várias formas de governo muito complexas, baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e linhagens), seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por chefias (unidades políticas, sob várias formas). Algumas grandes chefias, consideradas Estados tradicionais, são conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de Gana), mesmo assim posteriores a grandes civilizações, cuja existência pode ser testemunhada pela arte, como a cerâmica de Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. Aliás, ela é uma das produções mais atingidas pelo tráfico do mercado negro das artes na África que coloca em risco toda uma história ainda não completamente estudada (cf. esse assunto e dois exemplares da cerâmica de Nok dos mais célebres clicando aqui). Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a Idade Média européia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de modelo monárquico ou imperial. Outros estados centralizados marcam relações de longa data com o exterior, como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é importante relativizar o peso conferido ao continente africano enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é o caso das Américas. Em ambos os casos, a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a européia. Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora" européia era para tirar suas elites da emergência de sua própria falência econômica: os europeus precisavam se apropriar de novas terras e mercados para alcançar hegemonia. E fizeram isso na perspectiva da exploração, sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre (como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o Mediterrâneo antigo. Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território africano vem do século VII, enquanto os primeiros contatos dos europeus com os africanos foram estabelecidos a partir do século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do lado ocidental, e chefias bem estruturadas, do lado africano, resultando, em alguns casos, e durante alguns séculos, num comércio ativo, dada a força de grandes estados tradicionais na África, num clima muito diferente da situação colonial que sobreveio apenas no fim do século passado. Essa exploração teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um dos fundamentos da Antropologia, cujo desenvolvimento, através de várias teorias sobre as relações do Homem com a Natureza e a Cultura, permite-nos perceber as diferenças como características e valores fundamentais para a permanência e dinâmica da Humanidade. É através dela que se permitiu reconhecer que os estados tradicionais africanos não foram apenas instrumentos de governo eficazes e agentes da história, mas estimularam a produção de grandes patrimônios materiais.É o caso das artes de Ifé e Benin, bem como das artes luba e kuba. Confira uma terracota de ifé cuja réplica já foi exposta no Brasil clicando aqui). Da arte de Benin e arte luba confira as FIG 1 e 2, a sobre a arte kuba veja uma de suas estátuas mais célebres clicando aqui). FIGURA 1:Figura de rei, arte de Benin, Nigéria, acervo MAE-USP FIGURA 2: Estatueta do tipo chamada "de ancestral", arte luba-hemba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP Há muitas outras modalidades da arte africana que dominam, junto com essas, a gênese de uma história da arte africana, mesmo que sempre apartada da história universal da arte. Por isso, não deixe de conferir a linha do tempo da história da arte no continente africano proposta pelo Museu Metropolitano de Nova Iorque clicando aqui. O fato de não terem escrito sua história anteriormente, não quer dizer que os africanos, bem como os povos autóctones das Américas e da Oceania, não tinham história, muito menos que não tinham escrita. Objetos de arte considerados apenas decorativos estão plenos de mensagens codificadas por signos e símbolos que podem ser "traduzidos", ou interpretados verbalmente, como é o caso de muitos objetos proverbiais (FIG 3). FIGURA 3: Pesos de latão para medição de pó de ouro, arte ashanti, acervo MAE Confira também o artigo de Lucia Harumi Borba Chirinos neste site. (LINK4A) Além disso, na tradição oral, ou no registro oral da história dos povos africanos, podemos constatar que o tempo é marcado pelo evento, e que esse evento não se situa num vazio: ele supõe um lugar exato, um instante único (p. ex., a queda de um cometa célebre, uma enchente inusitada, marcando feitos de um governo determinado, de um chefe conhecido e nominado). Do mesmo modo, podemos pensar na revalidação da informação histórica em objetos que expressam, através de mesclas de estilo ou da própria iconografia, deslocamentos das comunidades africanas, formando grandes correntes migratórias pelo continente, seja de caráter cultural, comercial ou outro. Esses contatos, determinando combinações de elementos originais de um povo com outro(s), promoveram um dinamismo externo e explicam a unidade cultural da África. Por outro lado, a história desses povos pelo continente é uma história de conquistas, de legitimação do território a ser habitado e cultivado, explicando a diversidade cultural existente. A mudança social provocada pelo fato colonial faz parte dessa história, mesmo que a intenção da colonização era acabar com ela. O período colonial africano é recente, durando de 1883-1885 até pouco mais da metade do século XX. Nesse período, os governos europeus dividiram e reagruparam as sociedades tradicionais da África em colônias, cujas fronteiras não correspondiam aos seus territórios originais. Nas décadas de 1950 e 1960, depois das independências conquistadas individualmente, mas num grande movimento de solidariedade entre nações, as linhas de divisa colonial foram de modo geral absorvidas na configuração dos países atuais, a partir de então com seus próprios governos. Mesmo assim, até hoje são países que lutam com dificuldade, tentando recuperar suas origens ancestrais, e prosseguir suas vidas dentro do quadro da globalização imposto mundialmente. As lutas civis, e a presença de ditadores compactuados com potências estrangeiras na África atual refletem ainda os problemas que a exploração européia e a ideologia do desenvolvimento causaram aos povos africanos, esgotando seus minérios e suas florestas, degradando seu meio ambiente, alterando seu ecossistema, estabelecendo uma ordem completamente diferente sobre uma experiência secular de vida. É evidente que a exploração da África não se deu apenas na sua colonização, esta já tão truculenta em si mesma, lembrando que durante esse período os africanos não foram apenas usurpados em suas economias e territórios, mas em seus modos de existência e de pensamento, principalmente através de ações missionárias. Sabemos como a Igreja manipulou o Cristianismo sob pretexto de uma ação civilizatória compactuada com países europeus. Aqui estamos falando apenas daqueles que permaneceram no continente e não dos que foram sequestrados para a industria da escravidão que durou pelo menos quatro séculos. Podemos dizer que se o futuro de alguns africanos (os que foram feitos escravos) continuou aqui no Brasil (e nas Américas), e o passado de povos africanos na África ficou na memória coletiva e no silêncio da cultura material, temos muito a repensar sobre a nossa história em comum, encontrando, oxalá, nossos valores para o futuro. Por isso, não podemos admitir nada de primitivo na história e na cultura material dos povos africanos, vez que se trata de sociedades que têm atrás de si mesmas existência milenar. Temos testemunhos plásticos e iconográficos do séculos V, VI e até VII a.C. nos países do Mediterrâneo antigo, que demonstram não apenas a presença da civilização egípcia, como também das civilizações da África sub-saariana, esta chamada de África negra. Vê-se aqui a antiguidade das culturas africanas, bem como sua dinâmica, alimentada não apenas por fluxos internos, mas também externos, desde longa data. Ao lado de tudo isso, lembrar que descobertas arqueológicas vêm demonstrando a precedência da espécie humana e de suas indústrias no continente africano, antes dos seus vestígios em território europeu, como o caso do exemplar mais antigo do homo sapiens sapiens (nossa espécie) descoberto no Quênia, datado de 130 mil anos atrás. É importante, portanto, ter sempre em vista que o continente africano é imenso, com centenas de grupos étnicos ou sociedades, que não devemos chamar de tribos, pois o sistema de parentesco, além de não ser a única forma de organização, manifesta-se em grande diversidade e complexidade na composição dos grupos culturais. Hoje as sociedades africanas são sociedades modernizadas, o que não quer dizer que antes elas não tinham organização. Com uma hierarquia de obrigações e direitos, e com uma tecnologia própria ditada pela sua economia, seja ela de subsistência ou de comércio, algumas sociedades tradicionais voltavam-se mais para a agricultura, outras para a caça e pesca, e não raro, essas atividades eram mescladas. Não há conhecimento de grupos africanos sem um tipo de organização, seja em pequenas chefias a grandes repúblicas e reinos, até que as grandes potências ocidentais invadiram e colonizaram o território africano. Em contrapartida, devemos também estar alertos para não nos valermos do que, entre nós, é tido como premissa de civilização, achando que com isso chegamos à compreensão de outros povos. Ao lado de técnicas de metalurgia ou cultivo, ao lado de chefias ou de um comércio ativo, cada sociedade, cada cultura tem um sistema de categorias próprias de pensamento e existência, sendo ele o que a diferencia das outras, e o que lhe dá real relevância perante a Humanidade. A cultura material e a arte, pelo seu caráter concreto (de "coisas", objetos), podem ser veículos eficientes para que tais categorias não fiquem tão vulneráveis à ação destruidora de nosso etnocentrismo, desde que sejam enfocadas como produtos de sociedades diferentes e não desiguais. 2ª. Parte - África: cultura material e arte africana As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos desenvolvidos ao longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos, modelados, pintados, trançados ou tecidos, os objetos da África nos mostram a diversidade de técnicas artísticas que eram usadas nesse continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos criados pelos povos africanos. Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada estilo ou grupo de estilos corresponde a um produtor (sociedade, ateliê, artista) e localidade (região, reino, aldeia). Mesmo assim, devemos lembrar que os grupos sociais não podem ser considerados no seu isolamento, e, portanto, é natural que a estética de cada sociedade africana compreenda elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma parte da manifestação estética a que pertence, constituída por um conjunto de atitudes (gestos, palavras), danças e músicas. Isso pode determinar as diferenças entre a arte de um grupo e de outro, tendo-se em vista também o lugar e a época ou período em que o objeto estético-artístico era visto ou usado, de acordo com a sua função. Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada estátua, cada máscara, tinha uma função estabelecida, e não eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser lembrada: a arte africana é um termo criado por estrangeiros na interpretação da cultura material estética dos povos africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África contemporânea que se integram, como as nossas, brasileiras e atuais, no circuito internacional das exposições. Se hoje ainda há uma produção similar aos objetos tradicionais, ela deve-se no maior das vezes às demandas de um mercado turístico, motivado pela curiosidade e exotismo. Com referência aos objetos muito semelhantes aos tradicionais ainda em uso em rituais religiosos ou festas populares há, assim como no Brasil, na África atual, uma cultura material, que, apesar de sua qualidade estética, é considerada, também pelos africanos de hoje, "religiosa" ou "popular" nos moldes ocidentais, onde o antigo e moderno são historicamente discerníveis. Isso não quer dizer, no entanto, que, através de conteúdos e símbolos, a arte africana atual não esteja impregnada do tradicional, ainda que se manifestando em novas formas. Ao contrário, as especificidades da estética tradicional africana é visível também, nos dias atuais, nas produções artísticas dos países de fora da África, principalmente daqueles, como o Brasil, cuja população e cultura foram formadas por grandes contingentes africanos. Mas aqui, neste texto, estaremos tratando sempre dessas produções realizadas pelos africanos antes da ruptura entre tradição e modernidade. Daqui para frente, devemos relativizar o uso do tempo verbal, e lembrar que a expressão arte africana é, queiramos ou não, um reducionismo inventado por estrangeiros, mas que está cristalizada entre nós, relativa a toda produção material estética da África produzida antes e durante a colonização, até meados do século XX, trazida à Europa por viajantes, missionários e administradores coloniais. Não seria difícil encontrarmos nessa arte africana alguns elementos de aproximação com os de correntes da arte ocidental, do naturalismo ao abstracionismo. Mas esse tipo de comparação não é capaz de nos desvendar o verdadeiro sentido da arte africana tradicional, porque esta não foi feita para ser realista ou cubista, isto é, ela não era um exercício de reflexão sobre a forma, ou sobre a matéria, como nas artes plásticas entre nós. Apesar disso, podemos identificar na arte africana os elementos que permitiram a artistas, como Picasso, a revolucionar a arte ocidental. O cubismo, portanto, é uma invenção intelectual dos europeus, que nada tem a ver com a intenção dos africanos: enquanto no cubismo a representação do objeto se dá de diversos pontos de vista, em diversas de suas dimensões formais ao mesmo tempo, a estética africana busca, ao contrário, uma síntese do objeto ou do tema construído materialmente, plena de objetivo, inspiração e conteúdo. Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas um Ser Humano integral, que tem uma parte física e espiritual - do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado sagrado, ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou uma estátua concentram forças inerentes do próprio material de que são constituídas, ou que comportam em seu interior ou superfície, além de sua própria força estética. Elas não têm, portanto, uma função meramente formal. Ainda assim, podemos observar que algumas produções são mais realistas ou mais geométricas. O realismo ocorre com frequência nas estátuas, talvez por seu caráter representativo (de uma figura humana, da imagem onírica de um antepassado), enquanto que o geometrismo aparece muito nas máscaras, principalmente naquelas que representam espíritos e seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas existente no plano consciente e inconsciente). Mesmo assim, nada disso permite dizer ou não é isso que determina haver uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou um estilo e outro. Mas podemos distinguir uma arte produzida na África ocidental e a produzida na África central. E dentro dessas grandes áreas geográficas, podemos distinguir estilos seja pelos detalhes, seja pelo tema ou tipo do objeto produzido. Por exemplo, as produções artísticas dos Dogon e Bambara são muito distintas embora situadas, por alguns autores, dentro de uma mesma faixa estilística (chamada de "sudanesa"), já que elas apresentam uma certa continuidade formal ou temática, além do fato de que tais sociedades ocupam territórios contíguos permeados por identidades históricas, geográficas e ambientais. No entanto, as portas de celeiro são renomadas entre os Dogon (FIG 4 ), e o tema do antílope é mais reconhecido, embora não exclusivo, na arte Bambara (FIG 5). FIGURA 4: Porta de celeiro, arte dogon, Mali, acervo MAE-USP FIGURA 5: Topo de máscara "tyi-wara", arte bambara, Mali, acervo MAE- USP Esse tipo de objeto (porta de celeiro) e esse tema (antílope) celebram a arte dos Dogon e dos Bambara respectivamente não apenas porque foram encontrados em abundância entre eles, mas também porque são considerados por esses povos como signos específicos de sua cultura em circunstâncias dadas na sua tradição oral. É oportuno lembrar que a distinção entre os estilos só pode ser determinada por uma série de estudos interdisciplinares que apoiam a análise morfo-estilística. Entre essas disciplinas estão a arqueologia e etno-história, que, apesar de suas especificidades, estão intimamente ligadas à etnografia e à Antropologia. Os procedimentos técnicos e a matéria-prima usados na produção material podem "falar" muito sobre o estilo, assim como sobre o meio ambiente em que determinadas sociedades vivem. A madeira era muito usad-a nas regiões de floresta. É por isso que a estatuária africana está concentrada na chamada África ocidental e na África central, regiões onde predominava a floresta equatorial e tropical, e onde se conservam apenas partes dela hoje em dia. O uso do metal, embora tenha sido corrente em todo o continente, caracterizou as produções artísticas da savana, onde floresceram grandes reinos, tanto na África ocidental quanto na central, onde a arte era fundamentalmente ligada à organização social e política, a serviço de mandatários, através de ateliês oficiais - caso da chamada "arte de côrte" de Ifé e Benin (já ilustrada acima) ou da escultura da associação Ogboni fieta pelo sofisticado processo de fundição pela cera perdida (FIG 6). FIGURA 6: Ilustração das etapas da fundição de um par de "edan" pela técnica da cera perdida, arte ogboni/ioruba, Nigéria, acervo MAE-USP. Junto a essas produções de metal devemos mencionar a escultura em marfim, renomada não apenas entre povos do Golfo da Guiné e do Benin (como os ioruba) mas também entre os da embocadura do Rio Congo (como os Bakongo), que desde o século XV era requerida pelos "gabinetes de curiosidade" da Europa (veja clicando aqui). Bruto ou trabalhado, o marfim, assim como o cobre, era considerado precioso em todas as sociedades africanas, desde muito antes do tráfico (desde a antiguidade, pelo Vale do Nilo e pelo Saara), mas é certo que o contato com o mundo ocidental, desde o Renascimento europeu, promoveu um desenvolvimento de uma arte africana em marfim já voltada para o comércio e turismo como a da atualidade. Outras artes, como a cerâmica, cestaria, adornos corporais, eram feitas tradicionalmente por todas as sociedades, respondendo às necessidades cotidianas e rituais, sendo que podemos destacar algumas em que essas técnicas eram mais usadas do que a escultura, de acordo com o modelo de organização social e as formas de expressão estética. Nesses casos, os recursos gráficos eram mais aplicados do que os recursos representativos da escultura. Aqui podem ser compreendidos, particularmente, os produtos de sociedades situadas em regiões semi-áridas, que, em busca periódica de novos territórios, não podiam transportar com facilidade bens móveis de grande porte. Mas às vezes esses modelos de análise se mostram arbitrários, pois a arte decorativa pode imperar também onde as figurativas e realistas são muito destacadas, e onde a produção estética está voltada à legitimação de um poder monárquico e centralizado como dos Bakuba (FIG 7), e que também comporta uma importante estatuária conforme ilustrado acima. FIGURA 7: Montagem de objetos utilitários com decoração típica, arte kuba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP. Assim, o material nem sempre era usado por sua abundância ecológica e a escolha do material não era arbitrária: como o objeto que iria ser produzido, o material tinha um valor simbólico em cada centro de produção. Algumas máscaras e estátuas deveriam ser esculpidas em madeira de árvores determinadas; a confecção de adornos implicava no uso de determinadas fibras e sementes, e, em alguns casos, de tipos diferentes de contas, se não de um tipo de liga metálica, de marfim e outros materiais de origem inorgânica e animal. Certos detalhes morfológicos dos objetos, como a posição, o tamanho, a distribuição de cores, entre outros, são características diferenciais do estilo com que cada sociedade representa uma forma e um tema. Mas existe uma série de características culturais comuns entre os povos da África e diversas das de sociedades de outros continentes que permeiam suas artes tradicionais de uma forma singular: seus sistemas de pensamento e de crenças. 3ª. Parte - África: cultura material, filosofia e religião Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre Religião e outras esferas da Cultura existente no Ocidente, e na Modernidade, não faz parte da natureza da Humanidade. E, como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos culturais muito antigos, reciclando valores arraigados pela Tradição, caracterizando-se por uma maneira de produzir bens espirituais e materiais de acordo com sua história e com o meio ambiente onde se formaram. Para compreendermos os sistemas de pensamento e de crenças das sociedades africanas, devemos ter sempre em mente a dinâmica tradição-modernidade, e, como fizemos com respeito à arte, relativizar o que pertenceu ao passado e o que, e sob que forma, permanece no presente. Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma de conceber o mundo, de explicar suas origens e de formular o que lhes convêm, conforme mostram os mitos e lendas, bem como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes ou durante a situação colonial. Isso demonstra a grande diversidade cultural no continente, correspondente à diversidade de formas e estilos na arte tradicional. Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um aspecto que dá unidade aos povos da África tradicional: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é filho, neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência é a perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte está concretamente ligada à de vida : morrer significa não procriar. Sem filhos, a linhagem familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais principalmente. A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que implica em tempo e espaço ou lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo tempo, sendo impossível separar o que é concreto e espiritual, ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses povos. Nesse contexto, o exercício da existência volta-se para questões que vão além do poder econômico, o que não exclui a preocupação social e individual com o status (disputado e atribuído a indivíduos de prestígio como sábios e dirigentes), já que ele é uma das chaves para que o grupo tenha uma estrutura para permanecer unido e forte visando ao advento de futuras gerações. Daí, a profusão de imagens antropomórficas esculpidas a que se chama de "ancestrais", já que normalmente, mas nem sempre como se divulga através de publicações, eram relacionadas, e usadas, no culto de antepassados. Os chamados "fetiches", aí colocados em oposição aos "ancestrais", são objetos, esculpidos ou não, constituídos de vários materiais agregados. O conceito de fetiche é discutível, pois, significando "coisa feita", é relacionado sempre à magia e a feitiçaria num sentido distorcido. FIGURA 8: Estatueta "buti", do tipo chamada de "fetiche", arte teke, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP. Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são também classificadas estatuetas dos Bateke (FIG 8, acima) - simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e mineral, aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos, baseada em seu conhecimento sobre as forças da Natureza (muitas vezes relacionados à cura medicinal) e do Cosmo. Isso explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches", em contrapartida, tinham relações diretas com o culto de antepassados, fundado na idéia de acúmulo de forças através de gerações sucessivas e da apropriação do território. Outras duas características nos sistemas filosófico e de crenças das sociedades africanas tradicionais é a consciência de periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o descendente vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de que o passado está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente. Um indivíduo vivendo em sociedade em um determinado período histórico supõe a existência de outro ou outros indivíduos (filho, neto, bisneto, etc) em períodos subsequentes, graças à existência daqueles que vieram antes dele, e criaram regras para que seus contemporâneos e conterrâneos pudessem seguir vivendo, articulando-se conforme as condições de sobrevivência. Há um provérbio de origem africana em que podemos constatar essa característica de infinitude, de que a vida é infinita: "uma vez que é dia, depois noite, qual será o fim deles?". Esse tipo de pensamento comporta uma perspectiva dinâmica que não corresponde à idéia de que esses povos não teriam história antes dos europeus chegarem, e que eles viviam sempre do mesmo modo que seus avós e bisavós. Outro provérbio africano nos permite constatar essa característica de periodicidade, de que a vida é periódica - e histórica: "as coisas de amanhã estão na conversação das pessoas de amanhã". Vemos aqui uma preocupação em regrar o que acontece no presente, o que é uma responsabilidade dos que vivem para garantir a existência do futuro, e que não há nada de estático nisso, ao contrário, há uma previsão de mudança, uma consciência de que há um dinamismo na vida, na existência, não apenas por modificações ambientais naturais, mas também modificações técnicas e filosóficas determinadas pela sucessão de gerações. Desse modo, os africanos preservavam regras de sua Cultura, modificando-as quando necessário, sem precisar de outras normas vindas de fora, coisa que os Europeus não podiam entender, pois eles se consideravam superiores a todos os povos não-europeus. Esse sentimento de superioridade vem da constatação da diferença. Na visão judaico-cristã, por exemplo, os africanos foram tidos como povos animistas, isto é, aqueles que atribuem vida às coisas e seres inanimados, e acreditando que plantas e animais são dotados de "alma", sendo portanto capazes de agir como seres humanos. Isso não é verdade e deturpa as formas autênticas de concepção do mundo dos africanos, colocando-os como inferiores, ou "primitivos". O que ocorre, na verdade, é que na África tradicional a concepção de mundo é uma concepção de relação de forças naturais, sobrenaturais, humanas e cósmicas. Tudo que está presente para o Homem tem uma força relativa à força humana, que é o princípio da "força vital", ou do axé - expressão ioruba usada no Brasil. As árvores, as pedras, as montanhas, os astros e planetas, exercem influência sobre a Terra e a vida dos humanos, e vice-versa. Enquanto os europeus queriam dominar as coisas indiscriminadamente, os africanos davam importância a elas, pois tinham consciência de que elas faziam parte de um ecossistema necessário à sua própria sobrevivência. As preces e orações feitas a uma árvore, antes dela ser derrubada, era uma atitude simbólica de respeito à existência daquela árvore, e não a manifestação de uma crença de que ela tinha um espírito como dos humanos. Ainda que se diga de um "espírito da árvore", trata-se de uma força da Natureza, própria dos vegetais, e mais especificamente das árvores. Assim, os humanos e os animais, os vegetais e os minerais enquadravam-se dentro de uma hierarquia de forças, necessária à Vida, passíveis de serem manipuladas apenas pelo Homem. Isso, aliás, contrasta com a idéia de que os povos africanos mantinham-se sujeitos às forças naturais, e, portanto, sem cultura. Os povos da África tradicional admitem a existência de forças desconhecidas, que os europeus chamaram de mágicas, num sentido pejorativo. Mas a "mágica", entre os africanos, era, na verdade, uma forma inteligente - de conhecimento - de se lidar com as forças da Natureza e do Cosmo, integrando parte de suas ciências e sobretudo sua Medicina. Esses elementos filosóficos podem ser vistos expressados graficamente nas decorações de superfície de esculturas, na tecelagem e no trançado, e na própria arquitetura, através de figuras geométricas (zigue-zagues, linhas onduladas, espirais - contínuas e infinitas), de figuras zoomorfas (cobras, lagartos, tartarugas - que, além de sua forma, estão associadas à idéia de vitalidade e longevidade). Trata-se de uma linguagem gráfica simbólica, equivalente a da figura antropomórfica em estátuas e estatuetas, onde se ressaltam cabeça, mãos e pés, seios, ventre, orgãos sexuais (todos considerados, de um modo geral, centros de força vitais). Elas expressam, do mesmo modo que os grafismos, aspectos relacionados ao tema da reprodução humana e à capacidade de produção do conhecimento necessário à perpetuação da espécie humana, mesmo que individualmente, venham a desempenhar funções e a expressar significados específicas(FIG 9). FIGURA 9: Estatueta "akua-ba", arte ashanti, Gana, acervo MAE-USP Temas como a fertilidade da mulher e fecundidade dos campos são freqüentes e quase que indissociáveis na expressão artística, estabelecendo a relação entre a abundância de alimento e a multiplicação da prole, um fator concreto em sociedades agrárias. O tema do duplo remete à relação de fatores complementares ou antagônicos (dia-noite, homem-mulher). Todas essas formas gráficas e representativas são um recurso para apresentar, sob forma material, um conjunto de idéias sobre a existência concebida visando ao equilíbrio e à perpetuação biológica e espiritual do grupo social. Dizem que os africanos não tinham Deus, ou que tinham vários deuses, o que não parece ser muito preciso. Em quase todas as populações da África foram registrados depoimentos da criação do mundo, em que existe apenas um único "Deus". Trata-se de uma força primordial, um Criador que criou o Mundo e os Homens, colocou-os na Terra, e deixou-os ao seu Destino (FIG 10). FIGURA 10: Topo de máscara, arte senufo, Costa do Marfim, acervo MAE-USP. Essas histórias de origem podem ser chamadas de mitos porque se trata de seres não conhecidos em vida (que estão na memória coletiva), sendo por isso míticos, sem que se caia no erro de desconsiderá-los, como fizeram os ocidentais, como idéias sem valor científico e histórico. Tais mitos de origem comportam freqüentemente o relato de pares primordiais, de gêmeos ou duplas, que vieram para cultivar e povoar o mundo, e, muitas vezes, seres zoo-antropomorfos que, dotados da tecnologia (instrumentos agrários ou de caça), vieram para ensinar os Homens a produzir e obter alimento, para se multiplicarem, zelando, eles - os Homens -, pela sua própria permanência em vida. Uma das diferenças dessas idéias com relação às idéias de mundo cristãs é a consciência de que cada ser que está presente no mundo tem seu papel, e que a força dos Homens é humana, e não divina. Daí a necessidade de uma relação constante com os antepassados, visando às futuras gerações. Esse pode ser apontado como um significado substantivo das várias formas de culto de ancestrais. É por isso que a vida dos povos africanos é tida como muito mais ritualizada que no mundo cristão. O mundo material e o espiritual são concebidos juntos, quase que inseparáveis, o que implica em modelos de culto e religião completamente diferentes do que se adotou no Ocidente, que por sua vez serviu de modelo para outros povos formados na modernidade, como é o caso brasileiro. Os Candomblés (são várias as formas como essa religião brasileira de origem africana se apresenta) conservam formas de culto muito próximas às de cultos tradicionais da África ocidental (sobretudo dos Fon e dos Ioruba), adotando emblemas, nomes e outras características de suas divindades (e, às vezes, das divindades dos povos de línguas bantu, ou dos chamados Bantos, da África central), bem como a hierarquia de poder iniciático (FIG 11 a 13). FIGURA 11: Colar de babalaô, arte nagô, República Popular do Benim, acervo MAE-USP FIGURA 12: Estátua de Iemanjá, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP FIGURA 13: Opaxorô, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP. Mas, numa aproximação ainda que a grosso modo, eles teriam uma estrutura de panteão, como a das religiões grega e cristã. Isso quer dizer que existe um Criador e uma porção de outras divindades articuladas em camadas subalternas. Os cultos tradicionais da África, por sua vez, voltavam-se, em linhas gerais, aos antepassados ou a divindades da Natureza. Neste último caso, poderia ser enquadrado o Culto de Orixás - apelação dada às divindades de origem ioruba ou nagô (os voduns, inquices e caboclos são divindades de povos africanos de outras origens) -, em que se baseiam a maioria dos candomblés, muito embora muitas dessas divindades celebram chefes políticos sacralizados, com uma qualidade divina, de uma localidade (ou reino) determinado, onde são considerados como antepassados. Para concluir, grande parte da escultura antropomórfica seja da África ocidental, seja da central, é uma "presentificação" desses personagens míticos ou mesmo conhecidos em vida - antepassados fundadores de territórios, chefes de linhagem ou chefes eleitos renomados por feitos realizados durante seus governos. Em peças desse tipo transparece a grande relação entre política e religião, motivo pelo qual estátuas, bustos e cabeças, tendo uma força acumulada de vários níveis, não podiam ser vistas por todas as pessoas, se não os altos iniciados nos cultos, ou seja, aqueles que tinham status social e religioso, sendo que em muitas sociedades, o chefe político era também o sacerdote supremo. E, neste final, resta a contradição: grande parte da arte africana, que tanto nos mobiliza o olhar pelo impacto estético, era feita, antes de ser tirada de seu contexto, para não ser vista, a menos que houvesse uma ocasião precisa para isso. Está aí está a demonstração da grandeza e do poder de uma cultura material, depositária não de segredos, mas de fundamentos, a serviço da história e cultura dos povos africanos, que dentro e fora de seu território original, continuam sua existência, formando novos valores, como acontece entre nós, no Brasil.



MITOS DOS NEGROS AFRICANOS!
UMA NOVA TERRA

Os povoadores das zonas desérticas estenderam-se, e emigraram, para o norte, o sul e o este. No seu afã de procurar uma nova terra onde lançar raízes, por assim dizer, toparam com outras tribos que, desde épocas remotas, habitavam nas zonas tropicais do continente africano.
Ante a ausência de provas fidedignas para catalogar com exatidão os diferentes povos que se achavam disseminados por terras africanas, se avançaram hipóteses que afirmam que existiram tribos primitivas "paleo-negríticas" que praticavam a caça e conheciam técnicas rudimentares para trabalhar a terra; especialmente se esforçavam em conseguir que o terreno pobre e ermo de zonas extremas e montanhosas chegasse a ser fértil. Para isso contavam com o conhecimento do cultivo intensivo, mediante o qual conseguiam, além do total abastecimento de todos os tipos de produtos hortícolas, algo mais importante, a saber: a coesão social necessária para tornar possível o auge populacional e, além disso, o assentamento definitivo numa determinada zona; deste modo chegariam à formação de núcleos ou grupos sociais com uma densidade de quase cinqüenta habitantes por quilômetro quadrado.
Alguns destes grupos populacionais ocuparam a região norte do território africano, lugar próximo da ribeira oriental do Nilo; tal é o caso da tribo dos dogones, que se caracterizava porque entre os seus membros e a própria envolvente geográfica se estabeleceu um vínculo tribal difícil de quebrar.
Também o grupo dos bassari é outro dos denominados "povos nus" da África, os quais se encontravam espalhados por diferentes zonas. A sua antiguidade se remonta a perto de seis mil anos e terminaram assentando-se na Guiné. Na Costa de Marfim se estabeleceram os "lobis". Os "sombas" ocuparam a região de Togo. E as terras de Nigéria viram-se povoadas por tribos de "angus" e "fabis". Todos os grupos enumerados foram conformando as grandes zonas étnicas da África.
Mas também nos territórios desérticos e nas zonas equatoriais se foram assentando populações de tradição étnica como os "mandinga" e os "bambara". Também os "yoruba", em união dos "hausa" e os "ibos", se iriam assentando pela zona da Nigéria até se constituírem na massa de população mais rica de todo o continente africano.
Segundo todos os pesquisadores, as diferentes tribos apontadas mantinham entre si uma clara diferenciação social e sucedia a mesma coisa no terreno político ou religioso. A autonomia estava garantida, assim como os costumes milenários de cada tribo e a sua idiossincrasia própria. A variedade de crenças, de história, de lendas e de mitos, que confluem nas mencionadas populações, faz com que o continente africano se mostre muito atraente e interessante. Se se acrescenta a tudo isso que foi na Núbia -território situado no fértil, e maravilhoso, vale do Nilo- onde teve a sua origem uma das primeiras civilizações do continente africano, que recebeu precisamente o nome de civilização dos núbios -na atualidade quase toda a zona é território sudanês-, que provinha provavelmente da Ásia, dado que a cor da sua pele era muito similar à dos povoadores desse continente e, durante um milênio, manteve todo o seu esplendor.



O SUL

A região situada mais ao sul do lugar de assentamento dos egípcios era denominada por estes com o nome de "Kus"; os nativos desta zona tinham a pigmentação da sua pele mais escura do que os do norte, pois eram de raça negra. Tinham estabelecido a capital de toda a região numa zona muito próxima a um enorme canto do rio Nilo e, no seu subsolo, se encontravam as mais fabulosas reservas de ouro de todos os tempos.
Esta capital recebeu o nome de Napata e teve dirigentes que a fizeram crescer demasiado, até ao ponto de que o próprio Egito foi submetido. As margens do Nilo também foram conquistadas pelos reis de Napata. Naquele tempo -há quase três mil anos- toda a extensa ribeira de ambos os lados do Nilo estava formada por vales e pastos sempre férteis; atualmente há grandes zonas ermas e terrenos baldios.
A riqueza da população da zona do Kus -os "kusitas"- se viu incrementada pelo descobrimento, no subsolo mais próximo da cidade de Napata, de grande quantidade de mineral de ferro. A tudo isso há que acrescentar, além disso, as produtivas transações de marfim que os povos limítrofes lhes forneciam.
Mas este grande império "kusita" encontrava-se submetido à rapina e ao furto de numerosas tribos nômadas. Já desde o século III, antes da nossa era, os ladrões assaltavam as caravanas "kusitas" que transportavam ouro e marfim pelas rotas comerciais abertas para o efeito.
O resultado final é que o imperador do poderoso reino de "Axum", situado mais ao sul, nas proximidades da meseta da Etiópia, submeterá todas as populações do "Kus" e se apropriará das suas ricas minas de ferro e ouro.



ARTESÕES E FERREIROS

Tudo o que se acaba de dizer serviu para que alguns investigadores exprimam, com contundência, as suas teses favoráveis à muito provável influência das grandes civilizações norte-africanas sobre as culturas
desenvolvidas no mundo negro e sobre a sua estrutura social. Alguns achados relevantes vêm avalar a tese exposta. Por exemplo, encontraram-se pérolas de vidro egípcio em áreas do território do Gabão, e também pequenas representações e efígies do deus Osiris em zonas situadas ao sul do rio Zambeze e nos territórios do oriente do Congo. Talvez tudo isso não signifique uma prova concluinte da incidência da civilização egípcia no mundo negro mas, no entanto, se abrem expectativas pelas quais pode afirmar-se que, no campo artístico e técnico, existiu certa relação; o caso mais claro é a utilização, por ambos os povos, da técnica da fundição com cera. Não obstante, já desde o ano 3000 (aC), as tribos da zona do Níger, por exemplo, conheciam a metalurgia do ferro e, desde épocas muito remotas, já tinham formado uma espécie de grêmios, ou sociedades, de ferreiros, que se constituíam em castas e trabalhavam o estanho e a metalurgia do ferro.




FORÇAS PODEROSAS

Recentes escavações deixaram ao descoberto figuras de terracota -como as achadas na zona de Nok (Nigéria)- cuja antiguidade se remonta a quase dois mil quinhentos anos. Algumas destas estátuas estão realizadas de tal modo que a cabeça é muito maior do que o corpo; semelhante desproporção era uma característica dos artistas africanos e com isso queriam dar a entender que não só representavam seres humanos mas também que a sua arte pretendia chamar a atenção sobre certa classe de significação simbólica, afastada de qualquer naturalismo.
Neste sentido, o achado das denominadas "figuras de Jano" -chamadas assim porque recordam a deidade romana Jano, que aparecia representada com duas cabeças contrapostas, dado que personificava a vigilância e a custódia-, realizado no vale de Taruga, é um claro exemplo cheio de conotações míticas e emblemáticas. Além disso,

algumas das estátuas encontradas na aldeia de Nok representam, e simbolizam, as forças sobrenaturais e poderosas que apareciam relacionadas com a produção de alimentos e a satisfação das primeiras necessidades.
Outros achados, nos quais apareciam até média dúzia de cabeças de terracota, foram relacionados com a existência de santuários, templos ou lugares de culto e rito nos bosques considerados, pelo mesmo motivo, como sagrados.
Afirma-se, além disso, que "a técnica da fundição guarda certa relação mítica e ritual com as figuras de terracota dos fornos do vale de Taruga".
Acontece a mesma coisa com a arte estatuária de Benin, que conseguiu a sua plenitude entre os séculos XI e XV da nossa era. "Nesse sentido as figuras de animais, como o leopardo, simbolizam o poder dos seus reis que, às vezes, portavam máscaras realizadas em marfim, as quais levavam incrustadas, por sua vez, pequenas figurinhas dos colonizadores europeus com o objeto de apropriar-se do seu saber e a sua inteligência e, deste modo, não serem dominados por eles".
Os povos africanos tinham para com os fenômenos naturais, o Sol, a Lua, as estrelas, as montanhas, os rios, mares e árvores, um certo respeito sagrado. Tudo estava personificado e vivo -do mesmo modo- e, por todos os lados surgiam ídolos, fetiches, talismãs, bruxos, feitiços e magos.
O primitivismo das lendas dos povos da África meridional entronca com uma espécie de animismo, que os faz adorar as árvores porque pensavam que, num tempo muito longínquo, foram os seus antepassados. Sucedia a mesma coisa com os animais; acrescentando-se, além disso, que eram associados com uma certa classe de esoterismo que conduzia à crença de que os mortos apareciam aos vivos, precisamente, em forma de animais. O culto aos mortos encontrava-se muito estendido e se considerava obrigatório fazer-lhes oferendas. Deste modo, a morte que sempre era tabu -isto é, algo que não devia mencionar-se nem citar-se pois, caso contrário, poderiam sobrevir terríveis castigos aos infratores de tais preceitos-, adquiria uma importância capital entre os componentes duma determinada tribo e o seu modo de comportar-se. Quando alguém morria, todos os outros abandonavam o lugar de questão, para que a desgraça não os alcançasse como ao finado. São muito freqüentes, de resto, as lendas sobre a morte, e existem vários mitos acerca da origem de tão tremendo mal em algumas das tribos africanas da zona que estamos descrevendo.
No vale do rio Níger, o fetichismo encontra-se muito estendido e, entre os seus povoadores, surgem muitos magos e feiticeiros que são os encarregados de dirigir o culto ao ídolo e de oferecer-lhe os diferentes sacrifícios; também têm o dom de predizer o futuro e de pronunciar oráculos.




COSTUMES ANCESTRAIS

O longo caminho da hominização não foi, no entanto, tão linear como pode parecer à primeira vista. Muitos horrores, que o acesso das civilizações iria corrigindo, marcaram o tempo e o espaço históricos. Algumas das tribos que povoam os territórios do ocidente africano conservaram, até épocas muito recentes, costumes que têm muito pouco que ver com o programa social e político de outros grupos humanos.
A este respeito, o grande investigador Frazer, na sua qualificada obra A Rama Dourada, repete as seguintes palavras que um missionário deixou escritas -quando já o século XIX chegava ao seu fim- depois de conviver com algumas tribos do África negra: "Entre os costumes do país, um dos mais curiosos é indubitavelmente o de julgar e castigar o rei. Se ele mereceu o ódio do seu povo por exceder-se nos seus direitos, um dos seus conselheiros, sobre o qual recai a obrigação mais pesada, requer ao príncipe que vá dormir, o que significa simplesmente envenenar-se e morrer".
Ao parecer, no último momento, alguns monarcas não estavam dispostos a tirar-se a vida de um modo tão expeditivo, o qual era interpretado pelos súditos mais chegados como uma falta de coragem. Então, pedia-se a ajuda de um amigo que, no instante supremo, se encarregaria de dar-lhe um último empurrão, por assim dizer; o importante era que o povo não chegasse a conhecer a falta de coragem do seu soberano. Quanto ao método escolhido para levar a cabo tão abominável magnicídio, se louvava a sua predisposição e se agradecia o serviço prestado à sua tribo.




A NOSSA PRÓPRIA HISTÓRIA

Hoje, em consequencia das escavações e estudos que se levam a cabo em toda a África -muito especialmente em zonas que, até o presente e não se sabe com que critérios, tinham sido relegadas-, se detectaram provas suficientes para concluir que foi neste território onde começou o processo de hominização. Em qualquer caso, os achados dos especialistas e investigadores nos levam a concluir que a África foi um dos mais importantes focos de cultura pré-homínidea. Os elos da cadeia que nos une aos nossos mais ancestrais antepassados se encontram no continente negro. Outro fator a ter em conta, no momento de julgar o escasso avanço dos estudos levados a cabo no continente negro, é aquele que se refere às condições adversas do seu solo; a acidez do solo africano desgasta com prontidão qualquer vestígio, especialmente os restos fósseis. No entanto, hoje se sabe que foram os primeiros homínideos do continente africano os que, devido às suas peculiaridades físicas e somáticas -por exemplo a sua pele sem pêlo, a sua produção de melanina que lhes dará a adequada pigmentação, a sua abundância de glândulas sudoríparas, o seu cabelo encaracolado, etc.-, iniciaram o denominado processo de adaptação ao meio, com o qual começará, sem nenhuma dúvida, a hominização propriamente dita. A importância deste processo é capital pois, num princípio, o hominídeo se caracteriza pela sua atitude prática, dado que pretende primordialmente construir toda uma série de artefatos que o levam a dominar as técnicas da pesca, a caça, a agricultura e a ganadaria. Como para isso deve contar com ferramentas diversas, transforma-se em "homo faber" e "homo habilis", daqui a constituir o nosso seguro antepassado, o "homo sapiens", há apenas uma mínima distância.



MITO DAS DUAS LUMINÁRIAS

Entre as numerosas lendas do continente africano sobressai a dos negros de Senegal, dado que talvez sejam os únicos que têm uma cosmologia digna de tal nome.
As suas fábulas mostram que as duas luminárias, isto é, tanto o Sol como a Lua, estavam já consideradas como superiores aos outros astros. O mito cosmogônico pretende estabelecer as diferenças de ambos os corpos astrais e se propõe explicar -de uma maneira muito simples, embora carregada de conotações míticas e emblemáticas- as grandes diferenças entre a Lua e o Sol. O brilho, o calor e a luz que se desprendem do astro-rei impedem que sejamos capazes do olhar fixamente. Em compensação, podemos contemplar a Lua com insistência sem que os nossos olhos sofram mal algum. Isso é assim porque, em certa ocasião, estavam banhando-se nuas as mães de ambas as luminárias. Enquanto o Sol manteve uma atitude carregada de pudor, e não dirigiu o seu olhar nem um instante para a nudez da sua progenitora, a Lua, em compensação, não teve reparos em observar a nudez da sua antecessora. Depois de sair do banho, foi dito ao Sol: "Meu filho, sempre me respeitaste e desejo que a única, e poderosa deidade, te bendiga por isso. Os teus olhos se afastaram de mim enquanto me banhava nua e, por isso, quero que, desde agora, nenhum ser vivo possa olhar para ti sem que a sua vista fique danificada".
E à Lua foi dito: "Minha filha, tu não me respeitaste enquanto me banhava. Olhaste para mim fixamente, como se fosse um objeto brilhante e, por isso, eu quero que, a partir de agora, todos os seres vivos possam olhar para ti sem que a sua vista fique danificada nem se cansem os seus olhos".




O BERÇO DO "AUSTRALOPITHECUS"

A figura de um pai protetor e poderoso também aparece entre os povos africanos. E, com respeito à sua cosmologia, numerosas lendas marcam a própria idiossincrasia das diferentes tribos. Todos os povoadores da África negra julgaram que a terra não tinha idade e que existia desde sempre. E, segundo opinião de muitos historiadores insuficientemente documentados, isto é, que baseavam mais os seus assertos e conclusões em fátuas declarações de eruditos pensadores do que no trabalho de pesquisa e estudo pessoais, se chegou a dizer que os africanos formam parte dos denominados "povos sem história". O qual quer dizer que não contribuíram para o desenvolvimento da humanidade, nem muito nem pouco; e que, entre os negros africanos foi desigual a sua evolução e, com certeza, nenhum criou uma cultura autóctone que o caracterize. No entanto, descobrimentos arqueológicos de grande importância -entre outros o do primeiro hominídeo, conhecido com o nome de "australopithecus", pois os seus restos foram achados, há pouco mais de meio século, concretamente no ano 1924, na zona austral do continente africano-, assim como o profundo estudo das inumeráveis mostras de arte rupestre que se encontram em toda a África, levaram a reconsiderar os errôneos critérios que se tinham até há muito pouco do continente negro.




CIDADES DEBAIXO DE ÁGUA

Também havia uma bela mulher que aparecia plena de juventude e viçosidade. Chamava-se Haraké e o seu poder de atração era tal que não se sabia se era deusa ou se pertencia à espécie dos humanos mortais. A lenda mais estendida afirmava que Haraké tinha os cabelos tão transparentes como as próprias águas que lhe serviam de morada. Ao atardecer, a bela rapariga tinha por costume descansar mesmo à beira do Níger, e esperar assim até que chegasse o seu amante. Assim que este se reunia com ela, ambos entravam nas profundidades
daquelas águas encantadas e profundas; a jovem levava o escolhido no seu coração através de maravilhosos caminhos que conduziam a faustosas e desconhecidas cidades. Nos seus esplêndidos recintos, e entre o som do tam-tam e dos tambores, teria lugar a ostentosa cerimônia que uniria o feliz casal para toda a vida.
Todas as narrações da fábula exposta sublinham que foi Haraké quem conduziu o seu amante, e não vice-versa. Com isso se quer dar a entender que a mulher era muito respeitada entre certas tribos da África negra. Os seus privilégios provinham da sua consideração como mãe e esposa.
Embora, ao mesmo tempo, apareçam representações femininas em atitude submissa mas, se se reparar no seu rosto, observar-se-á certa classe de serenidade que, no dizer de investigadores e antropólogos, indicava a importância concedida a essa espécie de mundo anímico, ou vida interior, com que devia vestir-se a mulher negra, sob pena de pôr em questão a sua condição feminina.




PEQUENOS GÊNIOS E GIGANTES


A variedade de lendas da África negra é devida à diversidade de tribos que a habitam. Em muitas populações tinha-se em grande estima tudo o ancestral dos seus antepassados e, ainda que o seu território fosse invadido por outros povos de costumes e ideias diferentes, nunca deixaram que os seus ritos e mitos se perdessem. É o caso de algumas tribos de pescadores e camponeses que moravam nas proximidades do Níger, que viram invadida a sua própria idiossincrasia por outros povos, especialmente muçulmanos. No entanto, as crenças e a força dos seus mitos quase não perderam personalidade. Continuaram adorando os espíritos e GÊNIOS que moravam na natureza e que se tornava necessário aplacar, e manter contentes, para que as colheitas não se esgotassem e para que a pesca fosse abundante.
O ar, a terra e o rio, estavam cheios de espíritos -o que implica o conceito animista que tinham os negros africanos da natureza-, aos quais se acudia, e se invocava, quando se necessitava de uma ajuda superior. Havia também certas lendas onde aparecia o polífago gigante Maka que, para satisfazer o seu voraz apetite, necessitava de devorar animais tão enormes como os hipopótamos; e quando se dispunha a saciar a sua sede, alguns dos lagos próximos se viam seriamente afetados.