Formação do solo
Pode um solo derivar-se de qualquer tipo de rocha: sedimentar, ígnea ou metamórfica. Seu caráter ultimado não dependerá, em, exclusivamente, da composição da rocha- máter, mas, em larga extensão, de outros fatores que contribuem para a formação do solo. A parte principal de muitos solos consiste em grãos minerais de vários tamanhos, mas é a presença de organismos e de matéria orgânica (fonte de nitrogênio) que destingui o solo de um simples manto de decomposição. O nitrogênio é essencial ao crescimento das plantas. o tempo é outro fator importante na formação do solo. Os solos de regiões fortemente inclinadas diferencia dos das regiões planas, devido a condição de drenagem e outros.
Designam-se como solos residuais os que descansam sobre a rocha-máter, isto é, a rocha de derivaram. Nesse caso, observar-se uma transição gradual do solo para o subsolo e deste para a rocha-máter. Os solos constituídos de material transportado de pontos mais ou menos afastados por agentes geológicos chaman-se solos transportados
CLASSIFICAÇÃO DO SOLO
Os solos são agrupados em classes determinadas primariamente pelo tipo de clima em que se originaram. No Brasil há designações populares para distinguir tipos de solos. No Estado de São Paulo, dá-se o nome de terra- roxa aos solos originários da decomposição de diabásicos ou basaltos. São solos lateríticos riquíssimos óxidos hidratados de ferro ( e em matéria orgânica, quando virgens) de cor marron-avermelhada. Podem atingir 20m de profundidade. Constituim solos importantes para a cultura do café. A designação massapé é usada no N do Brasil para solos pretos argilosos, calcíferos. Em São Paulo o mesmo nome é aplicado aos solos argilosos, provinientes da decomposição de xistos metamórficos. O salmourão é um solo areno-argiloso, proviniente da decomposição de granitos e gnaísses.
CONTAMINAÇÃO DO SOLO AGRÍCOLA
A origem do inseticida vem desde de 1950 no Estados Unidos, que em seguida foi passando essa tecnologia para os países subdesenvolvidos dizendo que a fome poderiar se vencida se a agricultura adotasse essa e outras medidas. E as assim a venda desse produto foi aumentando cada vez mais na década de 60, 70 e 80 foi a época que ele se expadiu no mercado e até agora ele é muito usado. Dessa forma, tem ínicio um ciclo de desequílibrio que, se não interrompido a tempo, pode causar grandes prejuízos à natureza e conseqüentemente a nós.
Desde de há um tempo, esse procedimentos vêm sendo debatidos e questionados por especialistas no assunto. Afirmam que esse procedimento causa danos aos seres humanos que dependem da natureza para sua alimentação além de causar danos a natureza também. Praticamente não existe, atualmente, um elemento químico que não traga em sua composição elementos quimicos derivados da ultilização de inseticidas e agrotóxicos. Esses alimentos estão, infelizmente, contaminados por esse uso generalizado de substâncias químicas nocivas à saúde humana e dos animais, ao solo e aos vegetais.
O MEIO RURAL BRASILEIRO
O meio rural brasileiro, que se caracteriza pelo predomínio das atividades agropastoris, também apresenta sérios problemas ambientais, especialmente naquelas áreas que passam por um processo de modernização das atividades agrárias, com a mecanização e a introdução de técnicas modernas.
Com a derrubada das matas, a fauna da área tende a extinguir-se, o curso hidrológico passa por alterações, o regime de chuvas se modifica e o próprio gado fica sem sombra para proteger-se do sol nos dias muito quentes.
No Brasil predomina uma agricultura comercial, que se caracteriza por ser altamente mecanizada; em conseqüência disso, é comum a derrubada de árvores visando a que não atrapalhem a ação dos tratores, colheitadeiras, etc.
O excessivo uso dos agrotóxicos constitui outro sério problema ecológico na área rural brasileira: o agrotóxico é muito utilizado na agricultura e na pecuária, para combater as pragas que reduzem as colheitas ou a produtividade do gado. Esse uso excessivo de agrotóxicos, elimina certos tipos de microorganismos que são benéficos às plantas, por serem inimigos naturais das pragas. Os insetos e outras pragas, com o tempo, vão se adaptando aos agrotóxicos através de mutações genéticas, adquirindo imunidade em relação aos produtos químicos utilizados.
O fato de no Brasil predominarem climas quentes e úmidos faz com que os insetos e pragas proliferem bastante; para combate-los os agricultores acabam utilizando-se de fortes doses de veneno; em decorrência disto surge a contaminação dos alimentos (verduras, cereais, frutas), e até o leite.
O uso exagerado de adubos e fertilizantes químicos acaba poluindo também o meio ambiente rural; com as chuvas boa parte é carregada para os rios, poluindo-os; a água das chuvas ao infiltrar-se no subsolo, acaba contaminando os lençóis d’água com cobre, fosfatos, nitratos, etc., que irão comprometer a qualidade da água utilizada pelas populações.
Alguns rios do meio rural além de serem atingidos pelo excesso de agrotóxicos despejados ou carregados pela chuva, também são poluídos por determinadas indústrias instaladas no campo como fábricas de papel e celulose, frigoríficos, curtumes, entre outras.
Mas nem tudo está errado. Algumas iniciativas, tanto públicas quanto privadas, tem possibilitado a recuperação de cursos d’água outrora bastante degradados. É o caso, por exemplo, do rio Tibagi, no Estado do Paraná, que foi alvo durante muito tempo dos dejetos de fábricas de papel e celulose. Hoje, as indústrias tratam os materiais antes de lançar qualquer elemento que possa degradas as águas do rio.
Também as usinas de açúcar e as destilarias de álcool, têm contribuído para uma melhoria nas condições ambientais do meio rural. Até alguns anos atrás, a vinhaça ou vinhoto, um produto resultante da fermentação do álcool da cana-de-açúcar, era despejado nos cursos d’água, o que causava sérios danos, sobretudo à fauna aquática.
COLHEITA CONSCIENTE
Na horta orgânica , onde o resultado procurado e a qualidade dos produtos – sejam eles hortaliças, flores ou frutas – controlar pragas e doenças e tarefa que exige trabalho permanente . É sempre melhor prevenir do que remediar. Para não ser forçado a lançar mão de agrotóxicos ou erradicar canteiros inteiros, o horticultor deve fazer a vistoria diária em toda área, observar a terra ao redor das plantas e das folhas dos dois lados.
Nenhum bicho, inseto ou bactéria ataca de imediato em grande numero principalmente quando a grande variedade de culturas. Eles chegam aos poucos instalam-se e aumentam sua população somente quando as condições lhe são favoráveis. Se construirmos um sistema equilibrado onde haja de tudo um pouco, uma floresta em miniatura, as pragas poderão estar presentes mais dificilmente provocaram danos apreciáveis.
Como tratar sementes
A prevenção de doenças na horta começa pela escolha das sementes elas devem ser compradas de firmas idôneas que garantam o poder de germinação e tratamento especifico. Só que esse tratamento geralmente é feito com pesticidas. Se o produtor quiser obter sementes da sua própria horta, livres de agrotóxicos, deve recorrer a um método muito antigo, reavaliado e recomendado pelo centro nacional de pesquisas de hortaliças, em Brasília que utiliza calor para expurgar das sementes os microorganismos patogênicos.
Esse método é ideal para expurgo de pequenas quantidades de sementes. Os grãos são colocados em saquinhos de algodão e o saquinho e imerso na água que se aquece ate atingir a temperatura apropriada
O saquinho deve ser agitado constante mente para todas as sementes receberem o tratamento igual. Passado o tempo indicado na tabela, resfria-se as sementes em água à temperatura ambiente por alguns minutos. Retira-se, em seguida a água em excesso e espalha-se as sementes sobre jornal, papel absorvente ou pano seco.
A secagem das sementes e tão importante quanto o tratamento pois se elas ficarem úmidas por um período de doze horas acabam germinando e não podem ser mais usadas. Elas devem secar à sombra, em local bem ventilado e, logo que o papel estiver absorvido a água, ele deve ser trocado por outro enxuto, virando-se as sementes, para secarem por igual.
Importante: para cada tipo de doença controlada a uma temperatura exata e um período de tempo preciso, que deve ser rigorosamente observado.
Raiz/folha/fruto
Assim como a esterilização, a rotação de culturas garante o controle das doenças que se alastram pelo solo. Faz-se a rotação da seguinte maneira: quando uma hortaliça é colhida, o canteiro deve ser preparado novamente e ocupado por uma outra espécie , de família diferente e obedecendo à seqüência raiz/folha/fruto. As plantas de famílias e características diferentes raramente são suscetíveis às mesmas doenças havendo rotatividade, os micro organismos que provocam estas doenças não encontram hospedeiras e morrem por falta de alimentos. Algumas culturas chegam mesmo a ser toxicas para os microorganismos maléficos presentes no solo e eliminam quase toda a população.
No inicio parece difícil organizar essa rotação. Mas aos poucos o horticultor vai reconhecendo as melhores combinações e os casamentos indesejáveis. Para alcançar esse conhecimento e preciso observar atentamente as circunstancias em que surgem as pragas e identificar a falha que possibilitou seu aparecimento. No caso da ocorrência de nematóides a rotação deve ser feita com variedades resistentes ou com leguminosa. Esses vermes minúsculos que podem por vezes infestar o solo das hortas e causar grandes prejuízos, morrem quando as reservas de alimento contidas em seus corpos se esgotam. E o limite de resistência deles dificilmente excede o ciclo normal de uma leguminosa.
Para prevenir a ocorrência de nematóides, o plantio de cravo-de-defunto (Tagetes Patula L.)é bastante eficiente. A planta possui uma substancia que repele os nematóides e intoxica aqueles que porventura sugarem suas raízes. Varias moitas de cravo-de-defunto devem ser espalhadas pela horta , especialmente ao lado das culturas mais susceptíveis como tomate, alho-poró, salsão, e cenoura. Quando as folhas do cravo-de-defunto caírem, o miolo contendo as sementes deve ser armazenado para que o horticultor tenha seu próprio estoque para semear, posteriormente, é so esmagar o miolo com os dedos e espalhar as sementes
Fonte:http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/meio-ambiente-solo/formacao-do-solo.php
Intemperismo
Processo ou conjunto de processos combinados químicos, físicos e/ou biológicos de desintegração e/ou degradação e decomposição de rochas causados por agentes geológicos diversos junto à superfície da crosta terrestre.
O intemperismo pode ser: químico, mecânico e biológico.
No tipo de intemperismo químico, destaca-se ação da água da chuva carregada de outros elementos atmosféricos, como o CO2: ela ataca minerais da rocha em sua superfície exposta e em suas fraturas e os decompõem dando origem a novos minerais, estáveis às condições da superfície terrestre, e a solutos que migram pelas fraturas da rocha ou nas águas superficiais em direção ao mar.
No tipo de intemperismo físico ou mecânico destaca-se a ação das variações de temperatura na superfície terrestre o que ocasiona dilatações e contrações nas rochas que se fraturam, favorecendo a degradação por outros agentes também; a dissolução de água em geleiras e sua cristalização em fraturas provoca o esfacelamento em blocos de rocha pelo aumento de volume da água ao formar o gêlo de forma semelhante ao que pode ocorrer com a cristalização de sais com aumento de volume em fissuras de rochas e de minerais.
No intemperismo biogênico é importante a ação dos seres vivos como ouriços, cracas e mexilhões no mar, as raizes de plantas na terra e outros seres que promovem ou auxiliam no processo de intemperismo, podendo-se dizer que, em última análise, estes processos são, na realidade, químicos e/ou físicos, como, por exemplo, ácidos húmicos (químico) e crescimento e expansão de raizes de plantas, de líquens,.. nas fraturas de rochas (físico).
Fonte:http://vsites.unb.br/ig/glossario/verbete/intemperismo.htm
Decomposição do solo e fertilidade
A erosão é um processo natural de desagregação, decomposição, transporte e deposição de materiais de rochas e solos que vem agindo sobre a superfície terrestre desde os seus princípios. Contudo, a ação humana sobre o meio ambiente contribui exageradamente para a aceleração do processo, trazendo como conseqüências, a perda de solos férteis, a poluição da água, o assoreamento dos cursos d'água e reservatórios e a degradação e redução da produtividade global dos ecossistemas terrestres e aquáticos.
Entende-se por erosão o processo de desagregação e remoção de partículas do solo ou fragmentos de rocha, pela ação combinada da gravidade com a água, vento, gelo ou organismos (IPT, 1986).
Os processos erosivos são condicionados basicamente por alterações do meio ambiente, provocadas pelo uso do solo nas suas várias formas, desde o desmatamento e a agricultura, até obras urbanas e viárias, que, de alguma forma, propiciam a concentração das águas de escoamento superficial.
Segundo OLIVEIRA et al (1987), este fenômeno de erosão vem acarretando, através da degradação dos solos e, por conseqüência, das águas, um pesado ônus à sociedade, pois além de danos ambientais irreversíveis, produz também prejuízos econômicos e sociais, diminuindo a produtividade agrícola, provocando a redução da produção de energia elétrica e do volume de água para abastecimento urbano devido ao assoreamento de reservatórios, além de uma série de transtornos aos demais setores produtivos da economia.
A quebra do equilíbrio natural entre o solo e o ambiente (remoção da vegetação), muitas vezes promovida e acelerada pelo homem conforme já exposto, expõe o solo a formas menos perceptíveis de erosão, que promovem a remoção da camada superficial deixando o subsolo (geralmente de menor resistência) sujeito à intensa remoção de partículas, o que culmina com o surgimento de voçorocas (SILVA, 1990).
Quando as voçorocas não são controladas ou estabilizadas, além de inutilizar áreas aptas à agricultura, podem ameaçar obras viárias, áreas urbanas, assorear rios, lagos e reservatórios, comprometendo por exemplo o abastecimento das cidades, projetos de irrigação e até a geração de energia elétrica.
Torna-se, portanto, importante a identificação das áreas cujos solos sejam suscetíveis a esse tipo de erosão, sobretudo, em regiões onde não existem planos de conservação (PARZANESE, G.A.C., 1991), bem como o estudo dos fatores e processos que possam agravar este fenômeno, visando a obtenção de uma metodologia de controle do mesmo.
VASCONCELOS SOBRINHO (1978), considera que existe uma corrida entre a explosão demográfica e o desgaste das terras, operando em sentido oposto, porém somando-se os efeitos, pois, como conseqüência da própria explosão demográfica, a pressão populacional sobre as áreas já ocupadas, conduzem-nas à deterioração cada vez mais rápida.
Os processos erosivos se iniciam pela retirada da cobertura vegetal, seguido pela adução e concentração das águas pluviais na implantação de obras civis (saída de coletores de drenagem em estradas, arruamento urbano, barramento de águas pluviais pela construção de estradas forçando sua concentração nas linhas de drenagem), estradas vicinais, ferrovias, trilhas de gado, uso e manejo inadequado das áreas agrícolas.
A urbanização, forma mais drástica do uso do solo, impõe a adoção de estruturas pouco permeáveis, fazendo com que ocorra diminuição da infiltração e aumento da quantidade e da velocidade de escoamento das águas superficiais.
A erosão acelerada (ação antrópica) pode ser laminar ou em lençol, quando causada por escoamento difuso das águas das chuvas resultante na remoção progressiva dos horizontes superficiais do solo; e erosão linear, quando causada por concentração das linhas de fluxo das águas de escoamento superficial, resultando em incisões na superfície do terreno na forma de sulcos, ravinas e voçorocas (OLIVEIRA, 1994).
A voçoroca é a feição mais flagrante da erosão antrópica, podendo ser formada através de uma passagem gradual da erosão laminar para erosão em sulcos e ravinas cada vez mais profundas, ou então, diretamente a partir de um ponto de elevada concentração de águas pluviais (IPT, 1986).
No desenvolvimento da voçoroca atuam, além da erosão superficial como nas demais formas dos processos erosivos (laminar, sulco e ravina), outros processos, condicionados pelo fato desta forma erosiva atingir em profundidade o lençol freático ou nível d’água de subsuperfície. A presença do lençol freático, interceptado pela voçoroca, induz ao aparecimento de surgências d’água, acarretando o fenômeno conhecido como "piping" (erosão interna que provoca a remoção de partículas do interior do solo, formando "tubos" vazios que provocam colapsos e escorregamentos laterais do terreno, alargando a voçoroca, ou criando novos ramos). Além deste mecanismo, as surgências d’água nos pés dos taludes da voçoroca provocam sua instabilização e descalçamento.
As voçorocas formam-se geralmente em locais de concentração natural de escoamento pluvial, tais como cabeceiras de drenagem e embaciados de encostas. A importância do estudo dos fenômenos associados à formação de voçorocas é estabelecer medidas de prevenção e controle, como também o estabelecimento de técnicas compatíveis ao combate do problema.
Segundo LIMA (1987), o estabelecimento de qualquer processo erosivo requer, antes de tudo, um agente (água ou vento) e o material (solo), sobre o qual agirá, desprendendo e desagregando as partículas e transportando-as. A interação entre material e agente consiste na busca de um estado de maior equilíbrio, antes desfeito de forma natural ou devido a efeitos antrópicos.
Os processos erosivos iniciam-se pelo impacto da massa aquosa com o terreno, desagregando suas partículas. Esta primeira ação do impacto é complementada pela ação do escoamento superficial, a partir do acúmulo de água em volume suficiente para propiciar o arraste das partículas liberadas (IPT, 1991).
A erosão é o processo de desprendimento e arraste acelerado das partículas do solo causado pela água e pelo vento. A erosão do solo constitui, sem dúvida, a principal causa da degradação acelerada das terras. As enxurradas, provenientes das águas de chuva que não ficaram retidas sobre a superfície, ou não se infiltraram, transportam partículas de solo e nutrientes em suspensão. Outras vezes, esse transporte de partículas de solo se verifica, também por ação do vento.
O efeito do vento na erosão é ocasionado pela abrasão proporcionada pela areia e partículas mais finas em movimento. A água é o mais importante agente de erosão; chuva, córregos, rios, todos carregam solo, as ondas erodem as costas dos continentes e lagos, de fato, onde há água em movimento, ela está erodindo os seus limites.
Fonte: www.drenagem.ufjf.br
Em áreas que não necessitam de calagem, a amostragem para fins de indicação de fertilizantes poderá ser feita logo após a maturação fisiológica da cultura anterior àquela que será instalada. Caso haja necessidade de calagem, a retirada da amostra tem que ser feita de modo a possibilitar que o calcário esteja incorporado pelo menos três meses antes da semeadura.
Na retirada de amostra do solo com vistas à caracterização da fertilidade, o interesse é pela camada arável do solo que, normalmente, é a mais intensamente alterada, seja por arações e gradagens, seja pela adição de corretivos, fertilizantes e restos culturais. A amostragem deverá, portanto, contemplar essa camada, ou seja, os primeiros 20 cm de profundidade.
No sistema de semeadura direta indica se que, sempre que possível, a amostragem seja realizada em duas profundidades (0 10 e 10 20 cm), com o objetivo principal de se avaliar a disponibilidade de cálcio e a variação da acidez entre as duas profundidades.
As indicações de adubação devem ser orientadas pelos teores dos nutrientes determinados na análise de solo. Na Tabela 4.1 são apresentados os parâmetros para a interpretação da análise de solo.
Acidez do solo
Os nutrientes têm sua disponibilidade determinada por vários fatores, entre eles o valor do pH, medida da concentração (atividade) de íons hidrogênio na solução do solo.
A Fig. 4.1 ilustra a tendência da disponibilidade dos diversos elementos químicos às plantas, em função do pH do solo. A disponibilidade varia como conseqüência do aumento da solubilidade dos diversos compostos na solução do solo.
Calagem
A determinação da quantidade de calcário a ser aplicada ao solo pode ser feita segundo duas metodologias básicas de análise do solo:
a) Neutralização do Al3+ e suprimento de Ca2+ e Mg2+
Este método é, particularmente, adequado para solos sob vegetação de Cerrados, nos quais ambos os efeitos são importantes.
O cálculo da necessidade de calagem (NC) é feito através da seguinte fórmula:
NC (t.ha-1) = Al3+ x 2 + [2 - (Ca2+ + Mg2+)] (PRNT = 100%)
b) Saturação de bases do solo
Este método consiste na elevação da saturação de bases trocáveis para um valor que proporcione o máximo rendimento econômico do uso de calcário.
O cálculo da necessidade de calcário (NC) é feito através da seguinte fórmula:
em que:
V1 = valor da saturação das bases trocáveis do solo, em porcentagem, antes da correção. (V1 = 100 S/T) sendo:
S = Ca2+ + Mg2+ + K+ (cmolc.dm-3);
V2 = Valor da saturação de bases trocáveis que se deseja;
T = capacidade de troca de cátions, T = S + (H+Al3+)(cmolc.dm-3);
f = fator de correção do PRNT do calcário f = 100/PRNT.
Quando o potássio é expresso em mg.dm-3, na análise do solo, há necessidade de transformar para cmolc.dm-3 pela fórmula:
cmolc.dm-3 de K = (0,0026) mg.dm-3 de K
A saturação de bases é variável para cada estado ou região. Para o Estado do Paraná 70%, para os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, 60%. Nos demais estados da Região Central, formados basicamente por solos sob vegetação de Cerrados, o valor adequado de saturação é de 50%.
c) Calagem para solos arenosos
Quando se tratar de solos arenosos (teor de argila menor que 20%), a quantidade de calcário a ser utilizada (NC) é dada pelo maior valor encontrado de uma destas duas fórmulas:
NC (t.ha-1) = (2 x Al) x f
NC (t.ha-1) = [2 - (Ca + Mg)] x f
Calagem no sistema de semeadura direta
Preferencialmente, antes de iniciar o sistema semeadura direta em áreas sob cultivo convencional, indica-se corrigir integralmente a acidez do solo, sendo esta etapa fundamental para a adequação do solo a esse sistema. O corretivo, na quantidade recomendada, deve ser incorporado, uniformemente, na camada arável do solo, ou seja, até 20 cm de profundidade.
Após a implementação da semeadura direta, os processos de acidificação do solo irão ocorrer e será necessário, depois de algum tempo, a correção da acidez. Para a identificação da necessidade de calagem, o solo já implantado de maneira correta, deve ser amostrado na profundidade de 0 a 20 cm, podendo-se aplicar até 1/3 da quantidade necessária. Para os solos que já receberam calcário na superfície, a amostragem deve ser realizada de 0 a 10 e 10 a 20 cm de profundidade. Portanto, em solos que já receberam calcário em superfície, sugere-se que, para o cálculo da recalagem, sejam utilizados os valores médios das duas profundidades, aplicando-se até 1/3 da calagem indicada.
Qualidade e uso do calcário
Para que a calagem atinja os objetivos de neutralização do alumínio trocável e/ou de elevação dos teores de cálcio e magnésio, algumas condições básicas devem ser observadas:
* todo o calcário deve passar em peneira com malha de 0,3 mm;
* o calcário deve apresentar teores de CaO + MgO > 38%, com preferência ao uso de calcário dolomítico (>12,0% MgO) ou magnesiano (entre 5,1% e 12,0% MgO), em solos com larga relação Ca/Mg (>3/1);
* na escolha do corretivo, em solos que contenham menos de 0,8 cmolc.dm-3 de Mg, deve ser dada preferência para materiais que contenham o magnésio (calcário dolomítico e ou magnesiano) a fim de evitar que ocorra um desequilíbrio entre os nutrientes. Como os calcários dolomíticos encontrados no mercado contém teores de magnésio elevados, deve-se acompanhar a evolução dos teores de Ca e Mg no solo e, caso haja desequilíbrio, pode-se aplicar calcário calcítico (<5,0%>20cm) do calcário nem sempre é possível.
Assim, camadas mais profundas do solo (abaixo de 35cm ou 40cm) podem continuar com excesso de alumínio tóxico. Esse problema, aliado à baixa capacidade de retenção de água desses solos, limita a produtividade, principalmente nas regiões onde é mais freqüente a ocorrência de veranicos (Sousa et al., 1996).
A aplicação de gesso agrícola diminui, em menor tempo, a saturação de alumínio nessas camadas mais profundas. Desse modo, criam-se condições para o sistema radicular das plantas se aprofundar no solo e, conseqüentemente, minimizar o efeito de veranicos. Deve ficar claro, porém, que o gesso não neutraliza a acidez do solo.
O gesso deve ser utilizado em áreas onde a análise de solo, na profundidade de 30 cm a 50 cm, indicar a saturação de alumínio maior que 20% e/ou quando a saturação do cálcio for menor que 60% (cálculo feito com base na capacidade de troca efetiva de cátions). A dose de gesso agrícola (15% de S) a aplicar é de 700, 1200, 2200 e 3200 kg.ha-1 para solos de textura arenosa, média, argilosa e muito argilosa, respectivamente. O efeito residual dessas dosagens é de, no mínimo, cinco anos.
Caso o gesso seja aplicado apenas como fonte de enxofre, a dosagem deve ser ao redor de 350 kg.ha-1 por cultivo.
Exigências minerais e adubação para a cultura da soja
Exigências minerais
A absorção de nutrientes por uma determinada espécie vegetal é influenciada por diversos fatores, entre eles as condições climáticas como chuvas e temperaturas, as diferenças genéticas entre cultivares de uma mesma espécie, o teor de nutrientes no solo e os diversos tratos culturais. Na tabela 4.2, são apresentadas as quantidades médias de nutrientes, contidos em 1.000 kg de restos culturais de soja e em 1.000 kg de grãos de soja.
Diagnose foliar
Além da análise do solo, para indicação de adubação, existe a possibilidade complementar da Diagnose Foliar, principalmente para micronutrientes, pois os níveis críticos desses no solo, apresentados na seção 4.8.6, são ainda preliminares. Assim, a Diagnose Foliar uma ferramenta complementar na interpretação dos dados de análise de solo, para fins de indicação de adubos, principalmente para a safra seguinte.
Basicamente, a Diagnose Foliar consiste em analisar, quimicamente, as folhas e interpretar os resultados conforme a Tabela 4.3. Os trifólios a serem coletados, sem o pecíolo, são o terceiro e/ou o quarto, a partir do ápice de, no mínimo, 40 plantas no talhão, no início da floração. Quando necessário, para evitar a contaminação com poeira de solo nas folhas, sugere-se mergulhá-las em água, simplesmente para a remoção de resíduos de poeira e em seguida colocadas para secar à sombra e após embaladas em sacos de papel (não usar plástico).
Adubação
Nitrogênio
A soja obtém a maior parte do nitrogênio que necessita através da fixação simbiótica que ocorre com bactérias do gênero Bradyrhizobium.
Os procedimentos corretos para a inoculação encontram-se descritos no ítem inoculação.
Região de Cerrados
Adubação fosfatada
A indicação da quantidade de nutrientes, principalmente em se tratando de adubação corretiva, é feita com base nos resultados da análise do solo.
Na Tabela 4.4 são apresentados os teores de P extraível, obtidos pelo método Mehlich I e a correspondente interpretação, que varia em função dos teores de argila.
Duas proposições são apresentadas para a indicação de adubação fosfatada corretiva: a correção do solo de uma só vez, com posterior manutenção do nível de fertilidade atingido e a correção gradativa, através de aplicações anuais no sulco de semeadura (Tabela 4.5).
A adubação corretiva gradual pode ser utilizada quando não há a possibilidade de fazer a correção do solo de uma só vez. Esta prática consiste em aplicar, no sulco de semeadura ou a lanço, uma quantidade de P de modo a acumular, com o passar do tempo, o excedente e atingindo, após alguns anos, a disponibilidade de P desejada. Ao utilizar as doses de adubo fosfatado sugeridas na Tabela 4.5, espera- se que, num período máximo de seis anos, o solo apresente teores de P em torno do nível crítico.
Quando o nível de P no solo estiver classificado como Médio ou Bom (Tabela 4.4), usar somente a adubação de manutenção, que corresponde a 20 kg de P2O5.ha-1, para cada 1000 kg de grãos produzidos.
Adubação potássica
A indicação para adubação corretiva com potássio, de acordo com a análise do solo, é apresentada na Tabela 4.6. Esta adubação deve ser feita a lanço, em solos com teor de argila maior que 20%. Em solos de textura arenosa (< 20% de argila), não se deve fazer adubação corretiva de potássio, devido as acentuadas perdas por lixiviação.
Como a cultura da soja retira grande quantidade de K nos grãos (aproximadamente 20 kg de K2O.t-1 de grãos), deve-se fazer manutenção com 60 kg.ha-1 de K2O. Isso, se a expectativa de produção for de três toneladas de grãos.ha-1, independentemente da textura do solo.
Nas dosagens de K2O acima de 50 kg.ha-1, utilizar a metade da dose em cobertura, principalmente em solos arenosos, 30 ou 40 dias após a germinação, respectivamente para cultivares de ciclo mais precoce e mais tardio.
domingo, 5 de dezembro de 2010
terça-feira, 30 de novembro de 2010
A humanidade e a natureza.
O que tiramos da natureza
É da natureza que o homem retira as matérias-primas, como o ferro e a madeira utilizados na produção de inúmeras mercadorias. Isso provoca algumas alterações no espaço natural.
O tempo de recuperação da natureza depende do recuso que dela foi retirado. Certas espécies de árvores, por exemplo, em apenas 10 anos já estão adultas; o petróleo demorou milhões de anos para se formar e por isso sua reposição é praticamente imposível.
Durante bastante tempo, as pessoas pensavam que a natureza era inesgotável e que poderia ser explorada indefinidamente. Foi assim nas planícies norte-americanas, onde a caça-desenfreada extinguiu o bisão, um animal semelhante ao búfalo. O mesmo aconteceu na Mata Atlântica brasileira, onde a exploração excessiva acabou com as madeiras de lei e o pau-brasil.
Esse problema se agravou com o aumento do número de habitantes do mundo e com a elevação do consumo de mercadorias. A recuperação da natureza não é suficientemente rápida para atender a todas necessidades humanas.
Como esse processo não para, torna-se impossível encontrar soluções fáceis que desacelarem a deterioração dos recursos naturais em todo mundo. Além disso, diferentes estudos mostram que, nas próximas décadas, os problemas alimentares da população mundial vão crescer, e a escassez de água potável se tornará comum, devido ao aumento populacional.
Fonte: Apostila Anglo
Formadores da população brasileira:os negros
Condições de vida
A abolição da escravidão do Brasil foi muito tardia, se comparada à dos demais países da América. Quando finalmente a Lei Áurea foi decretada, em 1888, apenas aqui em Cuba continuava a prática da escravidão oficial.É verdade que naquela época o número de escravos já havia diminuido bastante; segundo alguns cálculos, somente 5% dos negros continuavam cativos.Porém o fim da escravidão não significou melhora nas condições de vida dos negros, pois eles foram abandonados à própria sorte, sem trabalho e em dificuldades para conseguir moradia, alimento e roupas. Além disso, continuavam a ser vítimas de preconceito e marginalizalos na sociedade. Hoje ainda é possível ver os reflexos dessa história de desigualdade e exploração a que os negros foram submetidos.
A maior parte da população negra brasileira é dos mestiços a ela relacionados está concentrada nas regiões Nordeste e Sudeste, locais onde, no período colonial, os escravos se fixaram.
Diversos indicadores sociais mostram que houve uma melhora nas condições de vida dos negros entre 1996 e 2006, embora elas continuem piores que a dos brancos.
Renda média- É um dos indicadores mais esclarecedres das diferenças sociais.
Os brancos continuam ganhando, em média, mais que o dobro recebido por negros, sejam eles homens ou mulheres. É importante notar que a renda média das mulheres, brancas ou negras, é sempre inferior a dos homens, o que revela outra forma de preconceito e marginalização social. Os estudos sobre desigualdade concluem que essas diferenças têm uma raíz histórica. Segundo esses estudos, eles seriam consequentes de três fatores: a herança deixada por séculos da escravidão; a tradição de delegar aos negros os empregos de pouco prestígio social e geradores de menos renda; e a exclusãodo negro da educação.
Educação- No período 1996-2006, a parcela de negros estudando cresceu bastante. Em 2006, 94% das crianças negras cursavam os primeiros anos do ensino fundamental, parcela quase igual a dos brancos. Mas, no ensino médio as diferenças eram maiores: enquanto 58% dos jovens brancos cursavam o ensino médio, somente 37% de jovens negros o faziam.
Desemprego- O grupo mais atingido era o de mulhers negras, com taxa de 12,2% de desemprego em 2007. O menos afetado era o de homens brancos, cuja taxa era de apenas 5,3%.
A origem dos negros brasileiros
No começo todos negros que viviam no Brasil eram escravos e vindos da África. Eles tiveram filhos que também foram escravos, porque era parte da cultura deles a escravidão quando alguém tinha divida, tendo menos resistência, e com isso os agricultores compravam eles para trabalhar nas lavouras, no inicio nos engenhos de cana de açúcar, depois em outros cultivos, como o café por exemplo. Para os agricultores era muito vantajoso, por ser uma mão de obra barata, e eles somente gastavam com alimento, e caso fossem desobedientes, seriam castigados severamente,as vezes ate de formas desumanas.Alguns negros resistiam, e fugiam das fazendas dos seus donos, e formavam os quilombos, que eram comunidades grandes de negros, escondidos no meio da mata fechada.
Os primeiros negros a serem livres por direito no Brasil, foram libertos pela compra de cartas de alforria, documento que declarava o escravo livre. Mas não adiantava muito, porque o ex-escravo ficava contra o governo, sem dinheiro, sem estudo e se oportunidade, forçando eles a aceitarem trabalhos péssimos.E essa situação não mudou nem com as primeiras leis contra a escravidão, a Lei do Sexagenário e a Lei do Ventre Livre, que não adiantaram muito. A Lei do Sexagenário declarava livre os escravos com mais de 60 anos, agora como as condições de vida deles era péssima, com muitos mal tratos, então a media de vida de um escravo era de 40 anos, e essa lei apenas retardou a solução do problema. Com muita luta, foram livres pela lei áurea, assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888 , mas a vida continuou difícil, como a dos escravos que foram libertos pelas cartas de alforria.
Por serem historicamente pobres, os negros sofrem preconceito ate hoje, sem motivo claro. Em algumas pesquisas feitas, mostram isso.Foram perguntadas as pessoas que cores que elas eram, e foram respondidas mais de três mil cores, mas pouquíssimos negros, mesmo com o Brasil ser um pais com uma média grande de negros na população.Existem também alguns debates modernos, como por exemplo as cotas das universidades. Elas seriam para dar uma chance a pessoas sem condições, ou seriam porque os negros não seriam capazes de passar sozinhos.Alem disso existem muitos outros racismos, ate preferindo dar vagas de empregos para brancos.Isso tudo acontece no Brasil, que tem um grande número de negros na população.
A miscigenação
A formação do caráter nacional brasileiro decorreu da miscigenação do indígena nativo, do português colonizador e do negro africano escravizado. Em seu livro ´Miscigenação nos trópicos´, o prof. Ednilo Gomes de Soárez investiga se dessa miscigenação resultou um povo alegre ou triste (o valor da alma nacional brasileira é a cordialidade, segundo Sérgio Buarque de Holanda). Pretos e índios foram aqui supliciados (nas palavras de Darcy Ribeiro), enquanto os portugueses, sem se desligarem de Portugal, tinham no enriquecimento a única via de compensar a limitação por viverem no Brasil. A escravidão não azedou a alma do escravo, nem suscitou o ódio recíproco entre opressores e oprimidos, ponderou Joaquim Nabuco. A miscigenação brasileira fez nascer um povo novo, com entidade ética e configuração cultural próprias. Ainda nas expressões de Darcy Ribeiro, essa miscigenação distribalizou índios, desafricanizou negros e deseuropeizou brancos.
O prof. Ednilo Soárez relembra Vianna Moog, autor da obra ´Bandeirantes e pioneiros´, de 1954, na qual tentou explicar a distância a separar os EUA do Brasil na marcha pelo desenvolvimento. Nessa tentativa, afastou-se das teorias monocausais ou unilaterais em moda na passagem do século XIX para o século XX, como a teoria antropogeográfica de Ratzel (o homem é o produto do meio), a teoria etnográfica de Gobineau e Chamberlain (existência de raças superiores e raças inferiores), e a teoria do determinismo histórico de Marx (a estrutura econômica depende unilateralmente das manifestações de cultura). Moog manteve sua doutrina apoiada em Durkheim e Max Weber, a melhor tese sociológica da época: o fato social é produzido por ´n´ causas, dentre as quais as físicas, as biológicas, as psicológicas e as econômicas. Assim, a miscigenação havida nos EUA, envolvendo brancos, índios e negros, foi diferente da ocorrida no Brasil, mas não explica, sozinha, a diferença entre as duas culturas. Os EUA foram mais favorecidos pela geografia e a hidrografia (infinidade de lagos e maior rede de rios navegáveis do mundo, além de se beneficiarem de dois oceanos). A ética protestante calvinista também beneficiou os EUA (ela pregava o enriquecimento como a melhor forma de agradar a Deus), além de outros valores, como o associativismo e a dignificação do trabalho.
As três raças básicas formadoras da população brasileira são o negro, o europeu e o índio, em graus muito variáveis de mestiçagem e pureza. É difícil afirmar até que ponto cada elemento étnico era ou não previamente mestiçado.
A miscigenação no Brasil deu origem a três tipos fundamentais de mestiço:
Cabloco = branco + índio
Mulato = negro + branco
Cafuzo = índio + negro
http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=350
Influência negra na cultura
Os negros, trazidos para o Brasil como escravos, do século XVI até 1850, destinados à lavoura canavieira, à mineração e à lavoura cafeeira, pertenciam a dois grandes grupos: os sudaneses e os bantos. Os primeiros, geralmente altos e de cultura mais elaborada, foram sobretudo para a Bahia. Os bantos, originários de Angola e Moçambique, predominaram na zona da mata nordestina, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
Surgiu assim o terceiro grupo importante que participaria da formação da população brasileira: o negro africano. É impossível precisar o número de escravos trazidos durante o período do tráfico negreiro, do século XVI ao XIX, mas admite-se que foram de cinco a seis milhões. O negro africano contribuiu para o desenvolvimento populacional e econômico do Brasil e tornou-se, pela mestiçagem, parte inseparável de seu povo. Os africanos espalharam-se por todo o território brasileiro, em engenhos de açúcar, fazendas de criação, arraiais de mineração, sítios extrativos, plantações de algodão, fazendas de café e áreas urbanas. Sua presença projetou-se em toda a formação humana e cultural do Brasil com técnicas de trabalho, música e danças, práticas religiosas, alimentação e vestimentas
http://www.coladaweb.com/cultura/influencia-negra-no-brasil
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
O nascimento da astronomia
A astronomia e suas contribuições
Entender os astros e seus movimentos sempre foi muito importante para a agricultura. Tanto é que as civilizações mesopotâneas no oriente médio, os egípcios na África, e os maias na América Central, que dependiam muito da agricultura, desenvolveram técnicas, iinstrumentos e observatórios bastante refinados para a observação deles.
A capacidade de medir o tempo e registrar os ciclos dos astros (as fases da lua, por exemplo) que os povos antigos foram desenvolvendo foi essencial para a astronomia. Foram criados, por exemplo, calendários, relógios de sol e relógios de água.
A navegação feita orientando-se pela posição dos astros no céu também é uma contribuição da astronomia, que permitia a localização dos pontos cardeais
No hemisfério Sul, a contelação chamada Cruzeiro do Sul fornece a direção do polo Sul da Terra. Trata-se de uma constelação formada por cinco estrelas que formam uma cruz no céu. Uma quinta estrela, chamada ''Intrometida'', permite o fácil reconhecimento da constelação.Uma vez localizado o Cruzeiro do Sul, basta acrescentar quatro vezes e meia a distancia do braço maior para encontrar a direção do polo Sul.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Grécia:uma civilização que marcou a história
A grécia antiga
A civilização grega surgiu entre os mares Egeu, Jônico e Mediterrâneo, por volta de 2000 AC. Formou-se após a migração de tribos nômades de origem indo-européia, como, por exemplo, aqueus, jônios, eólios e dórios. As pólis (cidades-estado), forma que caracteriza a vida política dos gregos, surgiram por volta do século VIII a.C. As duas pólis mais importantes da Grécia foram: Esparta e Atenas.
Por volta dos séculos VII a.C e V a.C. acontecem várias migrações de povos gregos a vários pontos do Mar Mediterrâneo, como conseqüência do grande crescimento populacional, dos conflitos internos e da necessidade de novos territórios para a prática da agricultura. Na região da Trácia, os gregos fundam colônias, na parte sul da Península Itálica e na região da Ásia Menor (Turquia atual). Os conflitos e desentendimentos entre as colônias da Ásia Menor e o Império Persa ocasiona as famosas Guerras Médicas (492 a.C. a 448 a.C.), onde os gregos saem vitoriosos.
Esparta e Atenas envolvem-se na Guerra do Peloponeso (431 a.C. a 404 a.C.), vencida por Esparta. No ano de 359 a.C., as pólis gregas são dominadas e controladas pelos Macedônios.
Sociedade da Grécia Antiga
A economia dos gregos baseava-se no cultivo de oliveiras, trigo e vinhedos. O artesanato grego, com destaque para a cerâmica, teve grande a aceitação no Mar Mediterrâneo. As ânforas gregas transportavam vinhos, azeites e perfumes para os quatro cantos da península. Com o comércio marítimo os gregos alcançaram grande desenvolvimento, chegando até mesmo a cunhar moedas de metal. Os escravos, devedores ou prisioneiros de guerras foram utilizados como mão-de-obra na Grécia. Cada cidade-estado tinha sua própria forma político-administrativa, organização social e deuses protetores.
Cultura e religião
Foi na Grécia Antiga, na cidade de Olímpia, que surgiram os Jogos Olímpicos em homenagem aos deuses. Os gregos também desenvolveram uma rica mitologia. Até os dias de hoje a mitologia grega é referência para estudos e livros. A filosofia também atingiu um desenvolvimento surpreendente, principalmente em Atenas, no século V ( Período Clássico da Grécia). Platão e Sócrates são os filósofos mais conhecidos deste período.
A religião politeísta grega era marcada por uma forte marca humanista. Os deuses possuíam características humanas e de deuses. Os heróis gregos (semi-deuses) eram os filhos de deuses com mortais. Zeus, deus dos deuses, comandava todos os demais do topo do monte Olimpo. Podemos destacar outros deuses gregos : Atena (deusa das artes), Apolo (deus do Sol), Ártemis (deusa da caça e protetora das cidades), Afrodite (deusa do amor, do sexo e da beleza corporal), Démeter (deusa das colheitas), Hermes (mensageiro dos deuses) entre outros. A mitologia grega também era muito importante na vida desta civilização, pois através dos mitos e lendas os gregos transmitiam mensagens e ensinamentos importantes.
Os gregos costumavam também consultar os deuses no oráculo de Delfos. Acreditavam que neste local sagrado, os deuses ficavam orientando sobre questões importantes da vida cotidiana e desvendando os fatos que poderiam acontecer no futuro.
Na arquitetura, os gregos ergueram palácios, templos e acrópoles de mármore no topo de montanhas. As decisões políticas, principalmente em Atenas, cidade onde surgiu a democracia grega, eram tomadas na Ágora (espaço público de debate político).
Como conhecer o passado dos gregos?
A escavação de ruínas de antigas cidades gregas nos permite imaginar como aquele povo vivia.
Ferramentas, armas, enfeites, utensílios domésticos e outros objetos encontrados pelos arqueólogos trazem informações sobre seu cotidiano, especialmente do período em que ainda não utilizavam a escrita.
O que a mitologia conta sobre os primeiros gregos?
Os primeiros helenos: eólios, jônios, aqueus e dórios
Os helenos eram um povo ário que se dizia descendente de um mesmo antepassado comum. Apesar disso, eles estavam divididos em quatro grupos que se estabeleceram em regiões diferentes:
os eólios se fixaram na Etólia, no norte da Hélade;
os jônios se fixaram no centro, na península de Ática;
os aqueus se fixaram no Peloponeso;
os dórios se fixaram no norte da Grécia, na Macedônia e, mais tarde,
no Peloponeso.
Atraídos pela prosperidade dos cretenses, os helenos foram se infiltrando em todo o território até dominá-los completamente, conquistando o mar Egeu. Mas isso não significou o fim da civilização cretense. Os helenos preservaram a civilização que encontraram e assimilaram coisas que eles mesmos tinham criado, como a língua grega.
Os aqueus logo se impuseram aos demais grupos. Por volta de 1400 a.C., as cidades de Micenas e Tirinto tornaram-se os focos irradiadores da nova cultura cretomicênica, uma combinação da velha cultura dos cretenses com a cultura dos helenos.
Origens da civilização grega
A sociedade cretense era predominantemente urbana. As ruínas encontradas revelam cidades bem planejas, com ruas, calçadas, sarjetas, lojas de comércio e casas luxuosas. Desta cavam-se, entre elas, Cnossos, Faistos, Mália e Tilisso.
A maior parte da população das cidades dedicava-se ao comércio marítimo ou as oficinas artesanais, vivendo modestamente e trabalhando para sustentar o luxo das classes altas.
Parece, no entanto, que em Creta a vida das pessoas comuns era melhor que a de outras comunidades da antigüidade. Vários aspectos demonstram isso:
1. A economia cretense, baseada no artesanato e no comércio, proporcionava grande número de ocupações e mais chance de escolha de trabalho.
II. Em Creta existem poucos escravos, e eles eram geralmente estrangeiros. A escravidão não foi muito importante para a ida econômica cretense.
III. A liberdade social das mulheres cretense, liberdade não encontrada em outras regiões do mundo antigo, onde as mulheres eram semi-escravos dos homens. As obras de artes de Creta mostra mulheres passeando pelas ruas, praticando jogo e doenças, ocupando lugar de destaque nos teatros e nos circo. Eles participavam ao lado dos homens, de esportes como touradas ou lutas. Havia ainda as sacerdotisas, mais importantes do que os sacerdotes, que desempenhavam o papel principal nas cerimônias religiosas.
APOSTILA ANGLO-6º ANO
terça-feira, 26 de outubro de 2010
A Vida dos Biomas
ECOSSISTEMA
Conjunto formado por uma biocenose ou comunidade biótica e fatores abióticos que interatuam, originando uma troca de matéria entre as partes vivas e não vivas. Em termos funcionais, é a unidade básica da Ecologia, incluindo comunidades bióticas e meio abiótico influenciando-se mutuamente, de modo a atingir um equilíbrio. O termo "ecossistema" é, pois, mais geral do que "biocenose", referindo a interação dos fatores que atuam sobre esta e de que ela depende.
Os organismos vivos e o seu ambiente inerte (abiótico) estão inseparavelmente ligados e interagem entre si. Qualquer unidade que inclua a totalidade dos organismos (isto é, a "comunidade") de uma área determinada interagindo com o ambiente físico por forma a que uma corrente de energia conduza a uma estrutura trófica, a uma diversidade biótica e a ciclos de materiais (isto é, troca de materiais entre as partes vivas e não vivas) claramente definidos dentro do sistema é um sistema ecológico ou ecossistema. Do ponto de vista trófico (de trophe = alimento), um ecossistema tem dois componentes (que como regra costumam estar separados no espaço e no tempo), um componente autotrófico (autotrófico = que se alimenta a si mesmo), no qual predomina a fixação da energia da luz, a utilização de substâncias inorgânicas simples e a elaboração de substâncias complexas, e um componente heterotrófico (heterotrófico = que é alimentado por outro), no qual predominam o uso, a nova preparação e a decomposição de materiais complexos.
Os ecossistemas são formados pela união de dois fatores:
Fatores abióticos
O conjunto de todos os fatores físicos que podem incidir sobre as comunidades de uma certa região
Fatores bióticos
Conjunto de todos seres vivos e que interagem uma certa região e que poderão ser chamados de biocenose, comunidade ou de biota.
Exemplo: chamava-se de micro flora, flora autóctone ou ainda fora normal todo o conjunto de bactérias e seres, os corpos que viviam no interior do corpo humano ou sobre a pele. Hoje o termo melhor usado em consonância com os termos ecológicos seria microbiota normal.
BIOSFERA E BIOMA
BIOMA
Área biótica é uma área geográfica ocupada por um bioma, ou seja, regiões com um mesmo tipo de clima e vegetação. Entretanto, um bioma pode ter uma ou mais vegetações predominantes.
Apesar de poderem apresentar diferentes animais e plantas, sabe-se que há muitas semelhanças entre as paisagens dos mais diferentes continentes, isso ocorre devido à influência do macroclima (tipo de solo, condição do substrato e outros fatores físicos).
Segundo alguns, os cinco tipos mais importantes de biomas são: aquático, desértico, florestal, de vegetação rasteira e tundra (vegetação proveniente do material orgânico que aparece no curto período de degelo das regiões de clima polar).
Entretanto, alguns vão um pouco mais longe nesta classificação. Segundo estes, só no Brasil há seis diferentes tipos de biomas, sendo eles: Floresta Amazônica, Cerrado, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Zonas Costeiras.
Há também uma classificação para os biomas aquáticos, que são divididos em biomas de água doce e marinhos, ou seja, aqueles que pertencem a água do mar.
BIOSFERA
A Terra é um sistema complicado. A parte onde existe vida é chamada biosfera. Bios vem do grego "vida". A biosfera se estende um pouco acima e um pouco abaixo da superfície do planeta. O habitat é formado por áreas distintas, cada uma com seu clima, solo e comunidades de plantas e animais. Essas áreas são os ecossistemas. Cada qual consiste de um número de partes relacionada , de modo a manter o sistema inteiro funcionando. Embora distintos, os ecossistemas não são fechados. A luz do sol, a chuva, a água, os nutrientes convivem no mesmo solo, também compartilhado por sementes e animais que nele passam.
AS UNIDADES DA BIOSFERA
Para tornar mais fácil o estudo da biosfera, os ecologistas dividiram-na em unidades menores. Informações sobre cada unidade podem ser colocadas juntas para revelar um retrato completo. Um ecossistema pode ser estudado como um todo, ou se concentrar nos seres que nele vivem individualmente.
A TERRA
A Terra é o único planeta onde se conhece o que chamamos de vida. Tem uma atmosfera que contém os elementos necessários para a sobrevivência dos seres vivos e que protege a superfície do planeta dos efeitos perigosos dos raios do Sol.
BIOSFERA
A biosfera cobre toda a superfície da Terra. É a parte viva do planeta e inclui a atmosfera. Contém diversos ecossistemas diferentes.
Fonte:http://www.coladaweb.com/geografia/biosfera
AMAZÔNIA
Animais típicos da Amazônia
Onça pintada
Galo-da-serra
Uacari-da-cara-vermelha
Plantas Típicas da Amazônia
Seringueira
Castanheira
terça-feira, 5 de outubro de 2010
África: culturas e sociedades
Texto do guia temático para professores África: culturas e sociedades, da série Formas de Humanidade, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.Escrito em janeiro de 1999 e revisto e adaptado em julho de 2005 para publicação neste site.
1ª. Parte - África: cultura material e história
Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre Homem e Natureza.
De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da sobrevivência material, mas também espiritual, intelectual e artística, o que ficou à margem da compreensão nas bases do pensamento ocidental, como se a reflexão entre Homem e Cultura fosse seu atributo exclusivo, e como se Natureza e Cultura fossem fatores antagônicos.
E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse também os povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos estariam num estágio cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural, mas econômica também, os europeus estavam em busca de suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa distorção.
Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com o mundo ocidental, em particular antes da colonização, não pode ser compreendida tomando-se como referência a organização dominante adotada pelas sociedades ocidentais. Normalmente fica no esquecimento, dado ao fato colonial, que não existe uma África anterior, a que se convencionou chamar África tradicional, diversa e independente, com suas particularidades sociais, econômicas e culturais.
As sociedades ocidentais, assim chamadas por oposição às não-ocidentais (não-européias), se estruturaram fundamentalmente sob o modo de produção capitalista. Além disso, o modo de produção dominante (não existe apenas um) numa sociedade pode nos dizer muito sobre a vida dessa sociedade, mas certamente não comporta explicações de todas as dimensões de como os homens que a constituem compreendem sua vida e modelam sua existência.
A degeneração da imagem das sociedades africanas, de suas ciências, e de seus produtos é resultado do projeto do Capitalismo, que difundiu a idéia de que o continente africano é tórrido e cheio de tribos perdidas na História e na Civilização. É resultado também do etnocentrismo das ciências européias do século XIX. É necessário, pois, ver de que História e de que Civilização se trata. E do ponto de vista histórico-econômico, o imperialismo colonial na África é meio e produto do Capital, uma das grandes invenções que vem desde a era dos Descobrimentos reforçada ainda mais pela consolidação do Liberalismo.
O viés econômico da História é um importante instrumento da Ideologia do Desenvolvimento, tipicamente ocidental. Dentro dessa linha de raciocínio, o Capital emerge de fora das sociedades de que tratamos para regrar suas atividades econômicas de modo diferente, conforme interesses externos aos dessas sociedades produtoras e dos povos que as constituem, modificando as relações sociais e impondo um novo modelo de pensar e agir.
As sociedades africanas tradicionais (ou pré-coloniais) tinham em suas atividades econômicas uma das formas de sobrevivência, de acordo com o meio ambiente em que viviam, de suas necessidades materiais e espirituais, e de toda uma tradição anterior de várias técnicas e tipos de produção. Havia muitos povos nômades, que precisavam se deslocar periodicamente, e havia povos sedentários, que fundando seus territórios, chegaram a constituir grandes reinos, desenvolvendo atividades econômicas produtivas, tanto de bens de consumo como de bens de prestígio (em que se destacam várias de suas artes de escultura e metalurgia).
O que a história oficial procurou velar é que os africanos desenvolveram várias formas de governo muito complexas, baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e linhagens), seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por chefias (unidades políticas, sob várias formas). Algumas grandes chefias, consideradas Estados tradicionais, são conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de Gana), mesmo assim posteriores a grandes civilizações, cuja existência pode ser testemunhada pela arte, como a cerâmica de Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. Aliás, ela é uma das produções mais atingidas pelo tráfico do mercado negro das artes na África que coloca em risco toda uma história ainda não completamente estudada (cf. esse assunto e dois exemplares da cerâmica de Nok dos mais célebres clicando aqui).
Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a Idade Média européia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de modelo monárquico ou imperial. Outros estados centralizados marcam relações de longa data com o exterior, como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é importante relativizar o peso conferido ao continente africano enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é o caso das Américas. Em ambos os casos, a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a européia.
Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora" européia era para tirar suas elites da emergência de sua própria falência econômica: os europeus precisavam se apropriar de novas terras e mercados para alcançar hegemonia. E fizeram isso na perspectiva da exploração, sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre (como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o Mediterrâneo antigo.
Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território africano vem do século VII, enquanto os primeiros contatos dos europeus com os africanos foram estabelecidos a partir do século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do lado ocidental, e chefias bem estruturadas, do lado africano, resultando, em alguns casos, e durante alguns séculos, num comércio ativo, dada a força de grandes estados tradicionais na África, num clima muito diferente da situação colonial que sobreveio apenas no fim do século passado. Essa exploração teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um dos fundamentos da Antropologia, cujo desenvolvimento, através de várias teorias sobre as relações do Homem com a Natureza e a Cultura, permite-nos perceber as diferenças como características e valores fundamentais para a permanência e dinâmica da Humanidade.
É através dela que se permitiu reconhecer que os estados tradicionais africanos não foram apenas instrumentos de governo eficazes e agentes da história, mas estimularam a produção de grandes patrimônios materiais.É o caso das artes de Ifé e Benin, bem como das artes luba e kuba.
Confira uma terracota de ifé cuja réplica já foi exposta no Brasil clicando aqui). Da arte de Benin e arte luba confira as FIG 1 e 2, a sobre a arte kuba veja uma de suas estátuas mais célebres clicando aqui).
FIGURA 1:Figura de rei, arte de Benin, Nigéria, acervo MAE-USP
FIGURA 2: Estatueta do tipo chamada "de ancestral", arte luba-hemba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP
Há muitas outras modalidades da arte africana que dominam, junto com essas, a gênese de uma história da arte africana, mesmo que sempre apartada da história universal da arte. Por isso, não deixe de conferir a linha do tempo da história da arte no continente africano proposta pelo Museu Metropolitano de Nova Iorque clicando aqui.
O fato de não terem escrito sua história anteriormente, não quer dizer que os africanos, bem como os povos autóctones das Américas e da Oceania, não tinham história, muito menos que não tinham escrita. Objetos de arte considerados apenas decorativos estão plenos de mensagens codificadas por signos e símbolos que podem ser "traduzidos", ou interpretados verbalmente, como é o caso de muitos objetos proverbiais (FIG 3).
FIGURA 3: Pesos de latão para medição de pó de ouro, arte ashanti, acervo MAE
Confira também o artigo de Lucia Harumi Borba Chirinos neste site. (LINK4A) Além disso, na tradição oral, ou no registro oral da história dos povos africanos, podemos constatar que o tempo é marcado pelo evento, e que esse evento não se situa num vazio: ele supõe um lugar exato, um instante único (p. ex., a queda de um cometa célebre, uma enchente inusitada, marcando feitos de um governo determinado, de um chefe conhecido e nominado). Do mesmo modo, podemos pensar na revalidação da informação histórica em objetos que expressam, através de mesclas de estilo ou da própria iconografia, deslocamentos das comunidades africanas, formando grandes correntes migratórias pelo continente, seja de caráter cultural, comercial ou outro.
Esses contatos, determinando combinações de elementos originais de um povo com outro(s), promoveram um dinamismo externo e explicam a unidade cultural da África. Por outro lado, a história desses povos pelo continente é uma história de conquistas, de legitimação do território a ser habitado e cultivado, explicando a diversidade cultural existente.
A mudança social provocada pelo fato colonial faz parte dessa história, mesmo que a intenção da colonização era acabar com ela. O período colonial africano é recente, durando de 1883-1885 até pouco mais da metade do século XX. Nesse período, os governos europeus dividiram e reagruparam as sociedades tradicionais da África em colônias, cujas fronteiras não correspondiam aos seus territórios originais.
Nas décadas de 1950 e 1960, depois das independências conquistadas individualmente, mas num grande movimento de solidariedade entre nações, as linhas de divisa colonial foram de modo geral absorvidas na configuração dos países atuais, a partir de então com seus próprios governos. Mesmo assim, até hoje são países que lutam com dificuldade, tentando recuperar suas origens ancestrais, e prosseguir suas vidas dentro do quadro da globalização imposto mundialmente. As lutas civis, e a presença de ditadores compactuados com potências estrangeiras na África atual refletem ainda os problemas que a exploração européia e a ideologia do desenvolvimento causaram aos povos africanos, esgotando seus minérios e suas florestas, degradando seu meio ambiente, alterando seu ecossistema, estabelecendo uma ordem completamente diferente sobre uma experiência secular de vida.
É evidente que a exploração da África não se deu apenas na sua colonização, esta já tão truculenta em si mesma, lembrando que durante esse período os africanos não foram apenas usurpados em suas economias e territórios, mas em seus modos de existência e de pensamento, principalmente através de ações missionárias. Sabemos como a Igreja manipulou o Cristianismo sob pretexto de uma ação civilizatória compactuada com países europeus.
Aqui estamos falando apenas daqueles que permaneceram no continente e não dos que foram sequestrados para a industria da escravidão que durou pelo menos quatro séculos. Podemos dizer que se o futuro de alguns africanos (os que foram feitos escravos) continuou aqui no Brasil (e nas Américas), e o passado de povos africanos na África ficou na memória coletiva e no silêncio da cultura material, temos muito a repensar sobre a nossa história em comum, encontrando, oxalá, nossos valores para o futuro.
Por isso, não podemos admitir nada de primitivo na história e na cultura material dos povos africanos, vez que se trata de sociedades que têm atrás de si mesmas existência milenar. Temos testemunhos plásticos e iconográficos do séculos V, VI e até VII a.C. nos países do Mediterrâneo antigo, que demonstram não apenas a presença da civilização egípcia, como também das civilizações da África sub-saariana, esta chamada de África negra. Vê-se aqui a antiguidade das culturas africanas, bem como sua dinâmica, alimentada não apenas por fluxos internos, mas também externos, desde longa data. Ao lado de tudo isso, lembrar que descobertas arqueológicas vêm demonstrando a precedência da espécie humana e de suas indústrias no continente africano, antes dos seus vestígios em território europeu, como o caso do exemplar mais antigo do homo sapiens sapiens (nossa espécie) descoberto no Quênia, datado de 130 mil anos atrás.
É importante, portanto, ter sempre em vista que o continente africano é imenso, com centenas de grupos étnicos ou sociedades, que não devemos chamar de tribos, pois o sistema de parentesco, além de não ser a única forma de organização, manifesta-se em grande diversidade e complexidade na composição dos grupos culturais. Hoje as sociedades africanas são sociedades modernizadas, o que não quer dizer que antes elas não tinham organização. Com uma hierarquia de obrigações e direitos, e com uma tecnologia própria ditada pela sua economia, seja ela de subsistência ou de comércio, algumas sociedades tradicionais voltavam-se mais para a agricultura, outras para a caça e pesca, e não raro, essas atividades eram mescladas. Não há conhecimento de grupos africanos sem um tipo de organização, seja em pequenas chefias a grandes repúblicas e reinos, até que as grandes potências ocidentais invadiram e colonizaram o território africano.
Em contrapartida, devemos também estar alertos para não nos valermos do que, entre nós, é tido como premissa de civilização, achando que com isso chegamos à compreensão de outros povos. Ao lado de técnicas de metalurgia ou cultivo, ao lado de chefias ou de um comércio ativo, cada sociedade, cada cultura tem um sistema de categorias próprias de pensamento e existência, sendo ele o que a diferencia das outras, e o que lhe dá real relevância perante a Humanidade. A cultura material e a arte, pelo seu caráter concreto (de "coisas", objetos), podem ser veículos eficientes para que tais categorias não fiquem tão vulneráveis à ação destruidora de nosso etnocentrismo, desde que sejam enfocadas como produtos de sociedades diferentes e não desiguais.
2ª. Parte - África: cultura material e arte africana
As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos desenvolvidos ao longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos, modelados, pintados, trançados ou tecidos, os objetos da África nos mostram a diversidade de técnicas artísticas que eram usadas nesse continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos criados pelos povos africanos.
Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada estilo ou grupo de estilos corresponde a um produtor (sociedade, ateliê, artista) e localidade (região, reino, aldeia). Mesmo assim, devemos lembrar que os grupos sociais não podem ser considerados no seu isolamento, e, portanto, é natural que a estética de cada sociedade africana compreenda elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma parte da manifestação estética a que pertence, constituída por um conjunto de atitudes (gestos, palavras), danças e músicas. Isso pode determinar as diferenças entre a arte de um grupo e de outro, tendo-se em vista também o lugar e a época ou período em que o objeto estético-artístico era visto ou usado, de acordo com a sua função.
Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada estátua, cada máscara, tinha uma função estabelecida, e não eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser lembrada: a arte africana é um termo criado por estrangeiros na interpretação da cultura material estética dos povos africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África contemporânea que se integram, como as nossas, brasileiras e atuais, no circuito internacional das exposições.
Se hoje ainda há uma produção similar aos objetos tradicionais, ela deve-se no maior das vezes às demandas de um mercado turístico, motivado pela curiosidade e exotismo.
Com referência aos objetos muito semelhantes aos tradicionais ainda em uso em rituais religiosos ou festas populares há, assim como no Brasil, na África atual, uma cultura material, que, apesar de sua qualidade estética, é considerada, também pelos africanos de hoje, "religiosa" ou "popular" nos moldes ocidentais, onde o antigo e moderno são historicamente discerníveis. Isso não quer dizer, no entanto, que, através de conteúdos e símbolos, a arte africana atual não esteja impregnada do tradicional, ainda que se manifestando em novas formas. Ao contrário, as especificidades da estética tradicional africana é visível também, nos dias atuais, nas produções artísticas dos países de fora da África, principalmente daqueles, como o Brasil, cuja população e cultura foram formadas por grandes contingentes africanos.
Mas aqui, neste texto, estaremos tratando sempre dessas produções realizadas pelos africanos antes da ruptura entre tradição e modernidade. Daqui para frente, devemos relativizar o uso do tempo verbal, e lembrar que a expressão arte africana é, queiramos ou não, um reducionismo inventado por estrangeiros, mas que está cristalizada entre nós, relativa a toda produção material estética da África produzida antes e durante a colonização, até meados do século XX, trazida à Europa por viajantes, missionários e administradores coloniais.
Não seria difícil encontrarmos nessa arte africana alguns elementos de aproximação com os de correntes da arte ocidental, do naturalismo ao abstracionismo. Mas esse tipo de comparação não é capaz de nos desvendar o verdadeiro sentido da arte africana tradicional, porque esta não foi feita para ser realista ou cubista, isto é, ela não era um exercício de reflexão sobre a forma, ou sobre a matéria, como nas artes plásticas entre nós. Apesar disso, podemos identificar na arte africana os elementos que permitiram a artistas, como Picasso, a revolucionar a arte ocidental.
O cubismo, portanto, é uma invenção intelectual dos europeus, que nada tem a ver com a intenção dos africanos: enquanto no cubismo a representação do objeto se dá de diversos pontos de vista, em diversas de suas dimensões formais ao mesmo tempo, a estética africana busca, ao contrário, uma síntese do objeto ou do tema construído materialmente, plena de objetivo, inspiração e conteúdo.
Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas um Ser Humano integral, que tem uma parte física e espiritual - do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado sagrado, ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou uma estátua concentram forças inerentes do próprio material de que são constituídas, ou que comportam em seu interior ou superfície, além de sua própria força estética. Elas não têm, portanto, uma função meramente formal.
Ainda assim, podemos observar que algumas produções são mais realistas ou mais geométricas. O realismo ocorre com frequência nas estátuas, talvez por seu caráter representativo (de uma figura humana, da imagem onírica de um antepassado), enquanto que o geometrismo aparece muito nas máscaras, principalmente naquelas que representam espíritos e seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas existente no plano consciente e inconsciente). Mesmo assim, nada disso permite dizer ou não é isso que determina haver uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou um estilo e outro.
Mas podemos distinguir uma arte produzida na África ocidental e a produzida na África central. E dentro dessas grandes áreas geográficas, podemos distinguir estilos seja pelos detalhes, seja pelo tema ou tipo do objeto produzido. Por exemplo, as produções artísticas dos Dogon e Bambara são muito distintas embora situadas, por alguns autores, dentro de uma mesma faixa estilística (chamada de "sudanesa"), já que elas apresentam uma certa continuidade formal ou temática, além do fato de que tais sociedades ocupam territórios contíguos permeados por identidades históricas, geográficas e ambientais. No entanto, as portas de celeiro são renomadas entre os Dogon (FIG 4 ), e o tema do antílope é mais reconhecido, embora não exclusivo, na arte Bambara (FIG 5).
FIGURA 4: Porta de celeiro, arte dogon, Mali, acervo MAE-USP
FIGURA 5: Topo de máscara "tyi-wara", arte bambara, Mali, acervo MAE- USP
Esse tipo de objeto (porta de celeiro) e esse tema (antílope) celebram a arte dos Dogon e dos Bambara respectivamente não apenas porque foram encontrados em abundância entre eles, mas também porque são considerados por esses povos como signos específicos de sua cultura em circunstâncias dadas na sua tradição oral.
É oportuno lembrar que a distinção entre os estilos só pode ser determinada por uma série de estudos interdisciplinares que apoiam a análise morfo-estilística. Entre essas disciplinas estão a arqueologia e etno-história, que, apesar de suas especificidades, estão intimamente ligadas à etnografia e à Antropologia.
Os procedimentos técnicos e a matéria-prima usados na produção material podem "falar" muito sobre o estilo, assim como sobre o meio ambiente em que determinadas sociedades vivem. A madeira era muito usad-a nas regiões de floresta. É por isso que a estatuária africana está concentrada na chamada África ocidental e na África central, regiões onde predominava a floresta equatorial e tropical, e onde se conservam apenas partes dela hoje em dia.
O uso do metal, embora tenha sido corrente em todo o continente, caracterizou as produções artísticas da savana, onde floresceram grandes reinos, tanto na África ocidental quanto na central, onde a arte era fundamentalmente ligada à organização social e política, a serviço de mandatários, através de ateliês oficiais - caso da chamada "arte de côrte" de Ifé e Benin (já ilustrada acima) ou da escultura da associação Ogboni fieta pelo sofisticado processo de fundição pela cera perdida (FIG 6).
FIGURA 6: Ilustração das etapas da fundição de um par de "edan" pela técnica da cera perdida, arte ogboni/ioruba, Nigéria, acervo MAE-USP.
Junto a essas produções de metal devemos mencionar a escultura em marfim, renomada não apenas entre povos do Golfo da Guiné e do Benin (como os ioruba) mas também entre os da embocadura do Rio Congo (como os Bakongo), que desde o século XV era requerida pelos "gabinetes de curiosidade" da Europa (veja clicando aqui). Bruto ou trabalhado, o marfim, assim como o cobre, era considerado precioso em todas as sociedades africanas, desde muito antes do tráfico (desde a antiguidade, pelo Vale do Nilo e pelo Saara), mas é certo que o contato com o mundo ocidental, desde o Renascimento europeu, promoveu um desenvolvimento de uma arte africana em marfim já voltada para o comércio e turismo como a da atualidade.
Outras artes, como a cerâmica, cestaria, adornos corporais, eram feitas tradicionalmente por todas as sociedades, respondendo às necessidades cotidianas e rituais, sendo que podemos destacar algumas em que essas técnicas eram mais usadas do que a escultura, de acordo com o modelo de organização social e as formas de expressão estética. Nesses casos, os recursos gráficos eram mais aplicados do que os recursos representativos da escultura. Aqui podem ser compreendidos, particularmente, os produtos de sociedades situadas em regiões semi-áridas, que, em busca periódica de novos territórios, não podiam transportar com facilidade bens móveis de grande porte. Mas às vezes esses modelos de análise se mostram arbitrários, pois a arte decorativa pode imperar também onde as figurativas e realistas são muito destacadas, e onde a produção estética está voltada à legitimação de um poder monárquico e centralizado como dos Bakuba (FIG 7), e que também comporta uma importante estatuária conforme ilustrado acima.
FIGURA 7: Montagem de objetos utilitários com decoração típica, arte kuba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP.
Assim, o material nem sempre era usado por sua abundância ecológica e a escolha do material não era arbitrária: como o objeto que iria ser produzido, o material tinha um valor simbólico em cada centro de produção. Algumas máscaras e estátuas deveriam ser esculpidas em madeira de árvores determinadas; a confecção de adornos implicava no uso de determinadas fibras e sementes, e, em alguns casos, de tipos diferentes de contas, se não de um tipo de liga metálica, de marfim e outros materiais de origem inorgânica e animal.
Certos detalhes morfológicos dos objetos, como a posição, o tamanho, a distribuição de cores, entre outros, são características diferenciais do estilo com que cada sociedade representa uma forma e um tema. Mas existe uma série de características culturais comuns entre os povos da África e diversas das de sociedades de outros continentes que permeiam suas artes tradicionais de uma forma singular: seus sistemas de pensamento e de crenças.
3ª. Parte - África: cultura material, filosofia e religião
Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre Religião e outras esferas da Cultura existente no Ocidente, e na Modernidade, não faz parte da natureza da Humanidade. E, como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos culturais muito antigos, reciclando valores arraigados pela Tradição, caracterizando-se por uma maneira de produzir bens espirituais e materiais de acordo com sua história e com o meio ambiente onde se formaram.
Para compreendermos os sistemas de pensamento e de crenças das sociedades africanas, devemos ter sempre em mente a dinâmica tradição-modernidade, e, como fizemos com respeito à arte, relativizar o que pertenceu ao passado e o que, e sob que forma, permanece no presente.
Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma de conceber o mundo, de explicar suas origens e de formular o que lhes convêm, conforme mostram os mitos e lendas, bem como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes ou durante a situação colonial. Isso demonstra a grande diversidade cultural no continente, correspondente à diversidade de formas e estilos na arte tradicional.
Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um aspecto que dá unidade aos povos da África tradicional: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é filho, neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência é a perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte está concretamente ligada à de vida : morrer significa não procriar. Sem filhos, a linhagem familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais principalmente. A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que implica em tempo e espaço ou lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo tempo, sendo impossível separar o que é concreto e espiritual, ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses povos.
Nesse contexto, o exercício da existência volta-se para questões que vão além do poder econômico, o que não exclui a preocupação social e individual com o status (disputado e atribuído a indivíduos de prestígio como sábios e dirigentes), já que ele é uma das chaves para que o grupo tenha uma estrutura para permanecer unido e forte visando ao advento de futuras gerações.
Daí, a profusão de imagens antropomórficas esculpidas a que se chama de "ancestrais", já que normalmente, mas nem sempre como se divulga através de publicações, eram relacionadas, e usadas, no culto de antepassados. Os chamados "fetiches", aí colocados em oposição aos "ancestrais", são objetos, esculpidos ou não, constituídos de vários materiais agregados. O conceito de fetiche é discutível, pois, significando "coisa feita", é relacionado sempre à magia e a feitiçaria num sentido distorcido.
FIGURA 8: Estatueta "buti", do tipo chamada de "fetiche", arte teke, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP.
Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são também classificadas estatuetas dos Bateke (FIG 8, acima) - simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e mineral, aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos, baseada em seu conhecimento sobre as forças da Natureza (muitas vezes relacionados à cura medicinal) e do Cosmo. Isso explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches", em contrapartida, tinham relações diretas com o culto de antepassados, fundado na idéia de acúmulo de forças através de gerações sucessivas e da apropriação do território.
Outras duas características nos sistemas filosófico e de crenças das sociedades africanas tradicionais é a consciência de periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o descendente vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de que o passado está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente.
Um indivíduo vivendo em sociedade em um determinado período histórico supõe a existência de outro ou outros indivíduos (filho, neto, bisneto, etc) em períodos subsequentes, graças à existência daqueles que vieram antes dele, e criaram regras para que seus contemporâneos e conterrâneos pudessem seguir vivendo, articulando-se conforme as condições de sobrevivência. Há um provérbio de origem africana em que podemos constatar essa característica de infinitude, de que a vida é infinita: "uma vez que é dia, depois noite, qual será o fim deles?".
Esse tipo de pensamento comporta uma perspectiva dinâmica que não corresponde à idéia de que esses povos não teriam história antes dos europeus chegarem, e que eles viviam sempre do mesmo modo que seus avós e bisavós. Outro provérbio africano nos permite constatar essa característica de periodicidade, de que a vida é periódica - e histórica: "as coisas de amanhã estão na conversação das pessoas de amanhã".
Vemos aqui uma preocupação em regrar o que acontece no presente, o que é uma responsabilidade dos que vivem para garantir a existência do futuro, e que não há nada de estático nisso, ao contrário, há uma previsão de mudança, uma consciência de que há um dinamismo na vida, na existência, não apenas por modificações ambientais naturais, mas também modificações técnicas e filosóficas determinadas pela sucessão de gerações.
Desse modo, os africanos preservavam regras de sua Cultura, modificando-as quando necessário, sem precisar de outras normas vindas de fora, coisa que os Europeus não podiam entender, pois eles se consideravam superiores a todos os povos não-europeus.
Esse sentimento de superioridade vem da constatação da diferença. Na visão judaico-cristã, por exemplo, os africanos foram tidos como povos animistas, isto é, aqueles que atribuem vida às coisas e seres inanimados, e acreditando que plantas e animais são dotados de "alma", sendo portanto capazes de agir como seres humanos. Isso não é verdade e deturpa as formas autênticas de concepção do mundo dos africanos, colocando-os como inferiores, ou "primitivos".
O que ocorre, na verdade, é que na África tradicional a concepção de mundo é uma concepção de relação de forças naturais, sobrenaturais, humanas e cósmicas. Tudo que está presente para o Homem tem uma força relativa à força humana, que é o princípio da "força vital", ou do axé - expressão ioruba usada no Brasil. As árvores, as pedras, as montanhas, os astros e planetas, exercem influência sobre a Terra e a vida dos humanos, e vice-versa. Enquanto os europeus queriam dominar as coisas indiscriminadamente, os africanos davam importância a elas, pois tinham consciência de que elas faziam parte de um ecossistema necessário à sua própria sobrevivência. As preces e orações feitas a uma árvore, antes dela ser derrubada, era uma atitude simbólica de respeito à existência daquela árvore, e não a manifestação de uma crença de que ela tinha um espírito como dos humanos. Ainda que se diga de um "espírito da árvore", trata-se de uma força da Natureza, própria dos vegetais, e mais especificamente das árvores. Assim, os humanos e os animais, os vegetais e os minerais enquadravam-se dentro de uma hierarquia de forças, necessária à Vida, passíveis de serem manipuladas apenas pelo Homem. Isso, aliás, contrasta com a idéia de que os povos africanos mantinham-se sujeitos às forças naturais, e, portanto, sem cultura. Os povos da África tradicional admitem a existência de forças desconhecidas, que os europeus chamaram de mágicas, num sentido pejorativo. Mas a "mágica", entre os africanos, era, na verdade, uma forma inteligente - de conhecimento - de se lidar com as forças da Natureza e do Cosmo, integrando parte de suas ciências e sobretudo sua Medicina.
Esses elementos filosóficos podem ser vistos expressados graficamente nas decorações de superfície de esculturas, na tecelagem e no trançado, e na própria arquitetura, através de figuras geométricas (zigue-zagues, linhas onduladas, espirais - contínuas e infinitas), de figuras zoomorfas (cobras, lagartos, tartarugas - que, além de sua forma, estão associadas à idéia de vitalidade e longevidade).
Trata-se de uma linguagem gráfica simbólica, equivalente a da figura antropomórfica em estátuas e estatuetas, onde se ressaltam cabeça, mãos e pés, seios, ventre, orgãos sexuais (todos considerados, de um modo geral, centros de força vitais). Elas expressam, do mesmo modo que os grafismos, aspectos relacionados ao tema da reprodução humana e à capacidade de produção do conhecimento necessário à perpetuação da espécie humana, mesmo que individualmente, venham a desempenhar funções e a expressar significados específicas(FIG 9).
FIGURA 9: Estatueta "akua-ba", arte ashanti, Gana, acervo MAE-USP
Temas como a fertilidade da mulher e fecundidade dos campos são freqüentes e quase que indissociáveis na expressão artística, estabelecendo a relação entre a abundância de alimento e a multiplicação da prole, um fator concreto em sociedades agrárias. O tema do duplo remete à relação de fatores complementares ou antagônicos (dia-noite, homem-mulher). Todas essas formas gráficas e representativas são um recurso para apresentar, sob forma material, um conjunto de idéias sobre a existência concebida visando ao equilíbrio e à perpetuação biológica e espiritual do grupo social.
Dizem que os africanos não tinham Deus, ou que tinham vários deuses, o que não parece ser muito preciso. Em quase todas as populações da África foram registrados depoimentos da criação do mundo, em que existe apenas um único "Deus". Trata-se de uma força primordial, um Criador que criou o Mundo e os Homens, colocou-os na Terra, e deixou-os ao seu Destino (FIG 10).
FIGURA 10: Topo de máscara, arte senufo, Costa do Marfim, acervo MAE-USP.
Essas histórias de origem podem ser chamadas de mitos porque se trata de seres não conhecidos em vida (que estão na memória coletiva), sendo por isso míticos, sem que se caia no erro de desconsiderá-los, como fizeram os ocidentais, como idéias sem valor científico e histórico. Tais mitos de origem comportam freqüentemente o relato de pares primordiais, de gêmeos ou duplas, que vieram para cultivar e povoar o mundo, e, muitas vezes, seres zoo-antropomorfos que, dotados da tecnologia (instrumentos agrários ou de caça), vieram para ensinar os Homens a produzir e obter alimento, para se multiplicarem, zelando, eles - os Homens -, pela sua própria permanência em vida.
Uma das diferenças dessas idéias com relação às idéias de mundo cristãs é a consciência de que cada ser que está presente no mundo tem seu papel, e que a força dos Homens é humana, e não divina. Daí a necessidade de uma relação constante com os antepassados, visando às futuras gerações. Esse pode ser apontado como um significado substantivo das várias formas de culto de ancestrais.
É por isso que a vida dos povos africanos é tida como muito mais ritualizada que no mundo cristão. O mundo material e o espiritual são concebidos juntos, quase que inseparáveis, o que implica em modelos de culto e religião completamente diferentes do que se adotou no Ocidente, que por sua vez serviu de modelo para outros povos formados na modernidade, como é o caso brasileiro.
Os Candomblés (são várias as formas como essa religião brasileira de origem africana se apresenta) conservam formas de culto muito próximas às de cultos tradicionais da África ocidental (sobretudo dos Fon e dos Ioruba), adotando emblemas, nomes e outras características de suas divindades (e, às vezes, das divindades dos povos de línguas bantu, ou dos chamados Bantos, da África central), bem como a hierarquia de poder iniciático (FIG 11 a 13).
FIGURA 11: Colar de babalaô, arte nagô, República Popular do Benim, acervo MAE-USP
FIGURA 12: Estátua de Iemanjá, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP
FIGURA 13: Opaxorô, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP.
Mas, numa aproximação ainda que a grosso modo, eles teriam uma estrutura de panteão, como a das religiões grega e cristã. Isso quer dizer que existe um Criador e uma porção de outras divindades articuladas em camadas subalternas. Os cultos tradicionais da África, por sua vez, voltavam-se, em linhas gerais, aos antepassados ou a divindades da Natureza. Neste último caso, poderia ser enquadrado o Culto de Orixás - apelação dada às divindades de origem ioruba ou nagô (os voduns, inquices e caboclos são divindades de povos africanos de outras origens) -, em que se baseiam a maioria dos candomblés, muito embora muitas dessas divindades celebram chefes políticos sacralizados, com uma qualidade divina, de uma localidade (ou reino) determinado, onde são considerados como antepassados.
Para concluir, grande parte da escultura antropomórfica seja da África ocidental, seja da central, é uma "presentificação" desses personagens míticos ou mesmo conhecidos em vida - antepassados fundadores de territórios, chefes de linhagem ou chefes eleitos renomados por feitos realizados durante seus governos. Em peças desse tipo transparece a grande relação entre política e religião, motivo pelo qual estátuas, bustos e cabeças, tendo uma força acumulada de vários níveis, não podiam ser vistas por todas as pessoas, se não os altos iniciados nos cultos, ou seja, aqueles que tinham status social e religioso, sendo que em muitas sociedades, o chefe político era também o sacerdote supremo.
E, neste final, resta a contradição: grande parte da arte africana, que tanto nos mobiliza o olhar pelo impacto estético, era feita, antes de ser tirada de seu contexto, para não ser vista, a menos que houvesse uma ocasião precisa para isso. Está aí está a demonstração da grandeza e do poder de uma cultura material, depositária não de segredos, mas de fundamentos, a serviço da história e cultura dos povos africanos, que dentro e fora de seu território original, continuam sua existência, formando novos valores, como acontece entre nós, no Brasil.
Texto do guia temático para professores África: culturas e sociedades, da série Formas de Humanidade, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.Escrito em janeiro de 1999 e revisto e adaptado em julho de 2005 para publicação neste site.
1ª. Parte - África: cultura material e história
Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre Homem e Natureza.
De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da sobrevivência material, mas também espiritual, intelectual e artística, o que ficou à margem da compreensão nas bases do pensamento ocidental, como se a reflexão entre Homem e Cultura fosse seu atributo exclusivo, e como se Natureza e Cultura fossem fatores antagônicos.
E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse também os povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos estariam num estágio cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural, mas econômica também, os europeus estavam em busca de suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa distorção.
Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com o mundo ocidental, em particular antes da colonização, não pode ser compreendida tomando-se como referência a organização dominante adotada pelas sociedades ocidentais. Normalmente fica no esquecimento, dado ao fato colonial, que não existe uma África anterior, a que se convencionou chamar África tradicional, diversa e independente, com suas particularidades sociais, econômicas e culturais.
As sociedades ocidentais, assim chamadas por oposição às não-ocidentais (não-européias), se estruturaram fundamentalmente sob o modo de produção capitalista. Além disso, o modo de produção dominante (não existe apenas um) numa sociedade pode nos dizer muito sobre a vida dessa sociedade, mas certamente não comporta explicações de todas as dimensões de como os homens que a constituem compreendem sua vida e modelam sua existência.
A degeneração da imagem das sociedades africanas, de suas ciências, e de seus produtos é resultado do projeto do Capitalismo, que difundiu a idéia de que o continente africano é tórrido e cheio de tribos perdidas na História e na Civilização. É resultado também do etnocentrismo das ciências européias do século XIX. É necessário, pois, ver de que História e de que Civilização se trata. E do ponto de vista histórico-econômico, o imperialismo colonial na África é meio e produto do Capital, uma das grandes invenções que vem desde a era dos Descobrimentos reforçada ainda mais pela consolidação do Liberalismo.
O viés econômico da História é um importante instrumento da Ideologia do Desenvolvimento, tipicamente ocidental. Dentro dessa linha de raciocínio, o Capital emerge de fora das sociedades de que tratamos para regrar suas atividades econômicas de modo diferente, conforme interesses externos aos dessas sociedades produtoras e dos povos que as constituem, modificando as relações sociais e impondo um novo modelo de pensar e agir.
As sociedades africanas tradicionais (ou pré-coloniais) tinham em suas atividades econômicas uma das formas de sobrevivência, de acordo com o meio ambiente em que viviam, de suas necessidades materiais e espirituais, e de toda uma tradição anterior de várias técnicas e tipos de produção. Havia muitos povos nômades, que precisavam se deslocar periodicamente, e havia povos sedentários, que fundando seus territórios, chegaram a constituir grandes reinos, desenvolvendo atividades econômicas produtivas, tanto de bens de consumo como de bens de prestígio (em que se destacam várias de suas artes de escultura e metalurgia).
O que a história oficial procurou velar é que os africanos desenvolveram várias formas de governo muito complexas, baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e linhagens), seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por chefias (unidades políticas, sob várias formas). Algumas grandes chefias, consideradas Estados tradicionais, são conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de Gana), mesmo assim posteriores a grandes civilizações, cuja existência pode ser testemunhada pela arte, como a cerâmica de Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. Aliás, ela é uma das produções mais atingidas pelo tráfico do mercado negro das artes na África que coloca em risco toda uma história ainda não completamente estudada (cf. esse assunto e dois exemplares da cerâmica de Nok dos mais célebres clicando aqui).
Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a Idade Média européia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de modelo monárquico ou imperial. Outros estados centralizados marcam relações de longa data com o exterior, como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é importante relativizar o peso conferido ao continente africano enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é o caso das Américas. Em ambos os casos, a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a européia.
Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora" européia era para tirar suas elites da emergência de sua própria falência econômica: os europeus precisavam se apropriar de novas terras e mercados para alcançar hegemonia. E fizeram isso na perspectiva da exploração, sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre (como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o Mediterrâneo antigo.
Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território africano vem do século VII, enquanto os primeiros contatos dos europeus com os africanos foram estabelecidos a partir do século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do lado ocidental, e chefias bem estruturadas, do lado africano, resultando, em alguns casos, e durante alguns séculos, num comércio ativo, dada a força de grandes estados tradicionais na África, num clima muito diferente da situação colonial que sobreveio apenas no fim do século passado. Essa exploração teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um dos fundamentos da Antropologia, cujo desenvolvimento, através de várias teorias sobre as relações do Homem com a Natureza e a Cultura, permite-nos perceber as diferenças como características e valores fundamentais para a permanência e dinâmica da Humanidade.
É através dela que se permitiu reconhecer que os estados tradicionais africanos não foram apenas instrumentos de governo eficazes e agentes da história, mas estimularam a produção de grandes patrimônios materiais.É o caso das artes de Ifé e Benin, bem como das artes luba e kuba.
Confira uma terracota de ifé cuja réplica já foi exposta no Brasil clicando aqui). Da arte de Benin e arte luba confira as FIG 1 e 2, a sobre a arte kuba veja uma de suas estátuas mais célebres clicando aqui).
FIGURA 1:Figura de rei, arte de Benin, Nigéria, acervo MAE-USP
FIGURA 2: Estatueta do tipo chamada "de ancestral", arte luba-hemba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP
Há muitas outras modalidades da arte africana que dominam, junto com essas, a gênese de uma história da arte africana, mesmo que sempre apartada da história universal da arte. Por isso, não deixe de conferir a linha do tempo da história da arte no continente africano proposta pelo Museu Metropolitano de Nova Iorque clicando aqui.
O fato de não terem escrito sua história anteriormente, não quer dizer que os africanos, bem como os povos autóctones das Américas e da Oceania, não tinham história, muito menos que não tinham escrita. Objetos de arte considerados apenas decorativos estão plenos de mensagens codificadas por signos e símbolos que podem ser "traduzidos", ou interpretados verbalmente, como é o caso de muitos objetos proverbiais (FIG 3).
FIGURA 3: Pesos de latão para medição de pó de ouro, arte ashanti, acervo MAE
Confira também o artigo de Lucia Harumi Borba Chirinos neste site. (LINK4A) Além disso, na tradição oral, ou no registro oral da história dos povos africanos, podemos constatar que o tempo é marcado pelo evento, e que esse evento não se situa num vazio: ele supõe um lugar exato, um instante único (p. ex., a queda de um cometa célebre, uma enchente inusitada, marcando feitos de um governo determinado, de um chefe conhecido e nominado). Do mesmo modo, podemos pensar na revalidação da informação histórica em objetos que expressam, através de mesclas de estilo ou da própria iconografia, deslocamentos das comunidades africanas, formando grandes correntes migratórias pelo continente, seja de caráter cultural, comercial ou outro.
Esses contatos, determinando combinações de elementos originais de um povo com outro(s), promoveram um dinamismo externo e explicam a unidade cultural da África. Por outro lado, a história desses povos pelo continente é uma história de conquistas, de legitimação do território a ser habitado e cultivado, explicando a diversidade cultural existente.
A mudança social provocada pelo fato colonial faz parte dessa história, mesmo que a intenção da colonização era acabar com ela. O período colonial africano é recente, durando de 1883-1885 até pouco mais da metade do século XX. Nesse período, os governos europeus dividiram e reagruparam as sociedades tradicionais da África em colônias, cujas fronteiras não correspondiam aos seus territórios originais.
Nas décadas de 1950 e 1960, depois das independências conquistadas individualmente, mas num grande movimento de solidariedade entre nações, as linhas de divisa colonial foram de modo geral absorvidas na configuração dos países atuais, a partir de então com seus próprios governos. Mesmo assim, até hoje são países que lutam com dificuldade, tentando recuperar suas origens ancestrais, e prosseguir suas vidas dentro do quadro da globalização imposto mundialmente. As lutas civis, e a presença de ditadores compactuados com potências estrangeiras na África atual refletem ainda os problemas que a exploração européia e a ideologia do desenvolvimento causaram aos povos africanos, esgotando seus minérios e suas florestas, degradando seu meio ambiente, alterando seu ecossistema, estabelecendo uma ordem completamente diferente sobre uma experiência secular de vida.
É evidente que a exploração da África não se deu apenas na sua colonização, esta já tão truculenta em si mesma, lembrando que durante esse período os africanos não foram apenas usurpados em suas economias e territórios, mas em seus modos de existência e de pensamento, principalmente através de ações missionárias. Sabemos como a Igreja manipulou o Cristianismo sob pretexto de uma ação civilizatória compactuada com países europeus.
Aqui estamos falando apenas daqueles que permaneceram no continente e não dos que foram sequestrados para a industria da escravidão que durou pelo menos quatro séculos. Podemos dizer que se o futuro de alguns africanos (os que foram feitos escravos) continuou aqui no Brasil (e nas Américas), e o passado de povos africanos na África ficou na memória coletiva e no silêncio da cultura material, temos muito a repensar sobre a nossa história em comum, encontrando, oxalá, nossos valores para o futuro.
Por isso, não podemos admitir nada de primitivo na história e na cultura material dos povos africanos, vez que se trata de sociedades que têm atrás de si mesmas existência milenar. Temos testemunhos plásticos e iconográficos do séculos V, VI e até VII a.C. nos países do Mediterrâneo antigo, que demonstram não apenas a presença da civilização egípcia, como também das civilizações da África sub-saariana, esta chamada de África negra. Vê-se aqui a antiguidade das culturas africanas, bem como sua dinâmica, alimentada não apenas por fluxos internos, mas também externos, desde longa data. Ao lado de tudo isso, lembrar que descobertas arqueológicas vêm demonstrando a precedência da espécie humana e de suas indústrias no continente africano, antes dos seus vestígios em território europeu, como o caso do exemplar mais antigo do homo sapiens sapiens (nossa espécie) descoberto no Quênia, datado de 130 mil anos atrás.
É importante, portanto, ter sempre em vista que o continente africano é imenso, com centenas de grupos étnicos ou sociedades, que não devemos chamar de tribos, pois o sistema de parentesco, além de não ser a única forma de organização, manifesta-se em grande diversidade e complexidade na composição dos grupos culturais. Hoje as sociedades africanas são sociedades modernizadas, o que não quer dizer que antes elas não tinham organização. Com uma hierarquia de obrigações e direitos, e com uma tecnologia própria ditada pela sua economia, seja ela de subsistência ou de comércio, algumas sociedades tradicionais voltavam-se mais para a agricultura, outras para a caça e pesca, e não raro, essas atividades eram mescladas. Não há conhecimento de grupos africanos sem um tipo de organização, seja em pequenas chefias a grandes repúblicas e reinos, até que as grandes potências ocidentais invadiram e colonizaram o território africano.
Em contrapartida, devemos também estar alertos para não nos valermos do que, entre nós, é tido como premissa de civilização, achando que com isso chegamos à compreensão de outros povos. Ao lado de técnicas de metalurgia ou cultivo, ao lado de chefias ou de um comércio ativo, cada sociedade, cada cultura tem um sistema de categorias próprias de pensamento e existência, sendo ele o que a diferencia das outras, e o que lhe dá real relevância perante a Humanidade. A cultura material e a arte, pelo seu caráter concreto (de "coisas", objetos), podem ser veículos eficientes para que tais categorias não fiquem tão vulneráveis à ação destruidora de nosso etnocentrismo, desde que sejam enfocadas como produtos de sociedades diferentes e não desiguais.
2ª. Parte - África: cultura material e arte africana
As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos desenvolvidos ao longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos, modelados, pintados, trançados ou tecidos, os objetos da África nos mostram a diversidade de técnicas artísticas que eram usadas nesse continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos criados pelos povos africanos.
Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada estilo ou grupo de estilos corresponde a um produtor (sociedade, ateliê, artista) e localidade (região, reino, aldeia). Mesmo assim, devemos lembrar que os grupos sociais não podem ser considerados no seu isolamento, e, portanto, é natural que a estética de cada sociedade africana compreenda elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma parte da manifestação estética a que pertence, constituída por um conjunto de atitudes (gestos, palavras), danças e músicas. Isso pode determinar as diferenças entre a arte de um grupo e de outro, tendo-se em vista também o lugar e a época ou período em que o objeto estético-artístico era visto ou usado, de acordo com a sua função.
Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada estátua, cada máscara, tinha uma função estabelecida, e não eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser lembrada: a arte africana é um termo criado por estrangeiros na interpretação da cultura material estética dos povos africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África contemporânea que se integram, como as nossas, brasileiras e atuais, no circuito internacional das exposições.
Se hoje ainda há uma produção similar aos objetos tradicionais, ela deve-se no maior das vezes às demandas de um mercado turístico, motivado pela curiosidade e exotismo.
Com referência aos objetos muito semelhantes aos tradicionais ainda em uso em rituais religiosos ou festas populares há, assim como no Brasil, na África atual, uma cultura material, que, apesar de sua qualidade estética, é considerada, também pelos africanos de hoje, "religiosa" ou "popular" nos moldes ocidentais, onde o antigo e moderno são historicamente discerníveis. Isso não quer dizer, no entanto, que, através de conteúdos e símbolos, a arte africana atual não esteja impregnada do tradicional, ainda que se manifestando em novas formas. Ao contrário, as especificidades da estética tradicional africana é visível também, nos dias atuais, nas produções artísticas dos países de fora da África, principalmente daqueles, como o Brasil, cuja população e cultura foram formadas por grandes contingentes africanos.
Mas aqui, neste texto, estaremos tratando sempre dessas produções realizadas pelos africanos antes da ruptura entre tradição e modernidade. Daqui para frente, devemos relativizar o uso do tempo verbal, e lembrar que a expressão arte africana é, queiramos ou não, um reducionismo inventado por estrangeiros, mas que está cristalizada entre nós, relativa a toda produção material estética da África produzida antes e durante a colonização, até meados do século XX, trazida à Europa por viajantes, missionários e administradores coloniais.
Não seria difícil encontrarmos nessa arte africana alguns elementos de aproximação com os de correntes da arte ocidental, do naturalismo ao abstracionismo. Mas esse tipo de comparação não é capaz de nos desvendar o verdadeiro sentido da arte africana tradicional, porque esta não foi feita para ser realista ou cubista, isto é, ela não era um exercício de reflexão sobre a forma, ou sobre a matéria, como nas artes plásticas entre nós. Apesar disso, podemos identificar na arte africana os elementos que permitiram a artistas, como Picasso, a revolucionar a arte ocidental.
O cubismo, portanto, é uma invenção intelectual dos europeus, que nada tem a ver com a intenção dos africanos: enquanto no cubismo a representação do objeto se dá de diversos pontos de vista, em diversas de suas dimensões formais ao mesmo tempo, a estética africana busca, ao contrário, uma síntese do objeto ou do tema construído materialmente, plena de objetivo, inspiração e conteúdo.
Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas um Ser Humano integral, que tem uma parte física e espiritual - do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado sagrado, ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou uma estátua concentram forças inerentes do próprio material de que são constituídas, ou que comportam em seu interior ou superfície, além de sua própria força estética. Elas não têm, portanto, uma função meramente formal.
Ainda assim, podemos observar que algumas produções são mais realistas ou mais geométricas. O realismo ocorre com frequência nas estátuas, talvez por seu caráter representativo (de uma figura humana, da imagem onírica de um antepassado), enquanto que o geometrismo aparece muito nas máscaras, principalmente naquelas que representam espíritos e seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas existente no plano consciente e inconsciente). Mesmo assim, nada disso permite dizer ou não é isso que determina haver uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou um estilo e outro.
Mas podemos distinguir uma arte produzida na África ocidental e a produzida na África central. E dentro dessas grandes áreas geográficas, podemos distinguir estilos seja pelos detalhes, seja pelo tema ou tipo do objeto produzido. Por exemplo, as produções artísticas dos Dogon e Bambara são muito distintas embora situadas, por alguns autores, dentro de uma mesma faixa estilística (chamada de "sudanesa"), já que elas apresentam uma certa continuidade formal ou temática, além do fato de que tais sociedades ocupam territórios contíguos permeados por identidades históricas, geográficas e ambientais. No entanto, as portas de celeiro são renomadas entre os Dogon (FIG 4 ), e o tema do antílope é mais reconhecido, embora não exclusivo, na arte Bambara (FIG 5).
FIGURA 4: Porta de celeiro, arte dogon, Mali, acervo MAE-USP
FIGURA 5: Topo de máscara "tyi-wara", arte bambara, Mali, acervo MAE- USP
Esse tipo de objeto (porta de celeiro) e esse tema (antílope) celebram a arte dos Dogon e dos Bambara respectivamente não apenas porque foram encontrados em abundância entre eles, mas também porque são considerados por esses povos como signos específicos de sua cultura em circunstâncias dadas na sua tradição oral.
É oportuno lembrar que a distinção entre os estilos só pode ser determinada por uma série de estudos interdisciplinares que apoiam a análise morfo-estilística. Entre essas disciplinas estão a arqueologia e etno-história, que, apesar de suas especificidades, estão intimamente ligadas à etnografia e à Antropologia.
Os procedimentos técnicos e a matéria-prima usados na produção material podem "falar" muito sobre o estilo, assim como sobre o meio ambiente em que determinadas sociedades vivem. A madeira era muito usad-a nas regiões de floresta. É por isso que a estatuária africana está concentrada na chamada África ocidental e na África central, regiões onde predominava a floresta equatorial e tropical, e onde se conservam apenas partes dela hoje em dia.
O uso do metal, embora tenha sido corrente em todo o continente, caracterizou as produções artísticas da savana, onde floresceram grandes reinos, tanto na África ocidental quanto na central, onde a arte era fundamentalmente ligada à organização social e política, a serviço de mandatários, através de ateliês oficiais - caso da chamada "arte de côrte" de Ifé e Benin (já ilustrada acima) ou da escultura da associação Ogboni fieta pelo sofisticado processo de fundição pela cera perdida (FIG 6).
FIGURA 6: Ilustração das etapas da fundição de um par de "edan" pela técnica da cera perdida, arte ogboni/ioruba, Nigéria, acervo MAE-USP.
Junto a essas produções de metal devemos mencionar a escultura em marfim, renomada não apenas entre povos do Golfo da Guiné e do Benin (como os ioruba) mas também entre os da embocadura do Rio Congo (como os Bakongo), que desde o século XV era requerida pelos "gabinetes de curiosidade" da Europa (veja clicando aqui). Bruto ou trabalhado, o marfim, assim como o cobre, era considerado precioso em todas as sociedades africanas, desde muito antes do tráfico (desde a antiguidade, pelo Vale do Nilo e pelo Saara), mas é certo que o contato com o mundo ocidental, desde o Renascimento europeu, promoveu um desenvolvimento de uma arte africana em marfim já voltada para o comércio e turismo como a da atualidade.
Outras artes, como a cerâmica, cestaria, adornos corporais, eram feitas tradicionalmente por todas as sociedades, respondendo às necessidades cotidianas e rituais, sendo que podemos destacar algumas em que essas técnicas eram mais usadas do que a escultura, de acordo com o modelo de organização social e as formas de expressão estética. Nesses casos, os recursos gráficos eram mais aplicados do que os recursos representativos da escultura. Aqui podem ser compreendidos, particularmente, os produtos de sociedades situadas em regiões semi-áridas, que, em busca periódica de novos territórios, não podiam transportar com facilidade bens móveis de grande porte. Mas às vezes esses modelos de análise se mostram arbitrários, pois a arte decorativa pode imperar também onde as figurativas e realistas são muito destacadas, e onde a produção estética está voltada à legitimação de um poder monárquico e centralizado como dos Bakuba (FIG 7), e que também comporta uma importante estatuária conforme ilustrado acima.
FIGURA 7: Montagem de objetos utilitários com decoração típica, arte kuba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP.
Assim, o material nem sempre era usado por sua abundância ecológica e a escolha do material não era arbitrária: como o objeto que iria ser produzido, o material tinha um valor simbólico em cada centro de produção. Algumas máscaras e estátuas deveriam ser esculpidas em madeira de árvores determinadas; a confecção de adornos implicava no uso de determinadas fibras e sementes, e, em alguns casos, de tipos diferentes de contas, se não de um tipo de liga metálica, de marfim e outros materiais de origem inorgânica e animal.
Certos detalhes morfológicos dos objetos, como a posição, o tamanho, a distribuição de cores, entre outros, são características diferenciais do estilo com que cada sociedade representa uma forma e um tema. Mas existe uma série de características culturais comuns entre os povos da África e diversas das de sociedades de outros continentes que permeiam suas artes tradicionais de uma forma singular: seus sistemas de pensamento e de crenças.
3ª. Parte - África: cultura material, filosofia e religião
Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre Religião e outras esferas da Cultura existente no Ocidente, e na Modernidade, não faz parte da natureza da Humanidade. E, como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos culturais muito antigos, reciclando valores arraigados pela Tradição, caracterizando-se por uma maneira de produzir bens espirituais e materiais de acordo com sua história e com o meio ambiente onde se formaram.
Para compreendermos os sistemas de pensamento e de crenças das sociedades africanas, devemos ter sempre em mente a dinâmica tradição-modernidade, e, como fizemos com respeito à arte, relativizar o que pertenceu ao passado e o que, e sob que forma, permanece no presente.
Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma de conceber o mundo, de explicar suas origens e de formular o que lhes convêm, conforme mostram os mitos e lendas, bem como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes ou durante a situação colonial. Isso demonstra a grande diversidade cultural no continente, correspondente à diversidade de formas e estilos na arte tradicional.
Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um aspecto que dá unidade aos povos da África tradicional: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é filho, neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência é a perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte está concretamente ligada à de vida : morrer significa não procriar. Sem filhos, a linhagem familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais principalmente. A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que implica em tempo e espaço ou lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo tempo, sendo impossível separar o que é concreto e espiritual, ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses povos.
Nesse contexto, o exercício da existência volta-se para questões que vão além do poder econômico, o que não exclui a preocupação social e individual com o status (disputado e atribuído a indivíduos de prestígio como sábios e dirigentes), já que ele é uma das chaves para que o grupo tenha uma estrutura para permanecer unido e forte visando ao advento de futuras gerações.
Daí, a profusão de imagens antropomórficas esculpidas a que se chama de "ancestrais", já que normalmente, mas nem sempre como se divulga através de publicações, eram relacionadas, e usadas, no culto de antepassados. Os chamados "fetiches", aí colocados em oposição aos "ancestrais", são objetos, esculpidos ou não, constituídos de vários materiais agregados. O conceito de fetiche é discutível, pois, significando "coisa feita", é relacionado sempre à magia e a feitiçaria num sentido distorcido.
FIGURA 8: Estatueta "buti", do tipo chamada de "fetiche", arte teke, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP.
Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são também classificadas estatuetas dos Bateke (FIG 8, acima) - simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e mineral, aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos, baseada em seu conhecimento sobre as forças da Natureza (muitas vezes relacionados à cura medicinal) e do Cosmo. Isso explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches", em contrapartida, tinham relações diretas com o culto de antepassados, fundado na idéia de acúmulo de forças através de gerações sucessivas e da apropriação do território.
Outras duas características nos sistemas filosófico e de crenças das sociedades africanas tradicionais é a consciência de periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o descendente vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de que o passado está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente.
Um indivíduo vivendo em sociedade em um determinado período histórico supõe a existência de outro ou outros indivíduos (filho, neto, bisneto, etc) em períodos subsequentes, graças à existência daqueles que vieram antes dele, e criaram regras para que seus contemporâneos e conterrâneos pudessem seguir vivendo, articulando-se conforme as condições de sobrevivência. Há um provérbio de origem africana em que podemos constatar essa característica de infinitude, de que a vida é infinita: "uma vez que é dia, depois noite, qual será o fim deles?".
Esse tipo de pensamento comporta uma perspectiva dinâmica que não corresponde à idéia de que esses povos não teriam história antes dos europeus chegarem, e que eles viviam sempre do mesmo modo que seus avós e bisavós. Outro provérbio africano nos permite constatar essa característica de periodicidade, de que a vida é periódica - e histórica: "as coisas de amanhã estão na conversação das pessoas de amanhã".
Vemos aqui uma preocupação em regrar o que acontece no presente, o que é uma responsabilidade dos que vivem para garantir a existência do futuro, e que não há nada de estático nisso, ao contrário, há uma previsão de mudança, uma consciência de que há um dinamismo na vida, na existência, não apenas por modificações ambientais naturais, mas também modificações técnicas e filosóficas determinadas pela sucessão de gerações.
Desse modo, os africanos preservavam regras de sua Cultura, modificando-as quando necessário, sem precisar de outras normas vindas de fora, coisa que os Europeus não podiam entender, pois eles se consideravam superiores a todos os povos não-europeus.
Esse sentimento de superioridade vem da constatação da diferença. Na visão judaico-cristã, por exemplo, os africanos foram tidos como povos animistas, isto é, aqueles que atribuem vida às coisas e seres inanimados, e acreditando que plantas e animais são dotados de "alma", sendo portanto capazes de agir como seres humanos. Isso não é verdade e deturpa as formas autênticas de concepção do mundo dos africanos, colocando-os como inferiores, ou "primitivos".
O que ocorre, na verdade, é que na África tradicional a concepção de mundo é uma concepção de relação de forças naturais, sobrenaturais, humanas e cósmicas. Tudo que está presente para o Homem tem uma força relativa à força humana, que é o princípio da "força vital", ou do axé - expressão ioruba usada no Brasil. As árvores, as pedras, as montanhas, os astros e planetas, exercem influência sobre a Terra e a vida dos humanos, e vice-versa. Enquanto os europeus queriam dominar as coisas indiscriminadamente, os africanos davam importância a elas, pois tinham consciência de que elas faziam parte de um ecossistema necessário à sua própria sobrevivência. As preces e orações feitas a uma árvore, antes dela ser derrubada, era uma atitude simbólica de respeito à existência daquela árvore, e não a manifestação de uma crença de que ela tinha um espírito como dos humanos. Ainda que se diga de um "espírito da árvore", trata-se de uma força da Natureza, própria dos vegetais, e mais especificamente das árvores. Assim, os humanos e os animais, os vegetais e os minerais enquadravam-se dentro de uma hierarquia de forças, necessária à Vida, passíveis de serem manipuladas apenas pelo Homem. Isso, aliás, contrasta com a idéia de que os povos africanos mantinham-se sujeitos às forças naturais, e, portanto, sem cultura. Os povos da África tradicional admitem a existência de forças desconhecidas, que os europeus chamaram de mágicas, num sentido pejorativo. Mas a "mágica", entre os africanos, era, na verdade, uma forma inteligente - de conhecimento - de se lidar com as forças da Natureza e do Cosmo, integrando parte de suas ciências e sobretudo sua Medicina.
Esses elementos filosóficos podem ser vistos expressados graficamente nas decorações de superfície de esculturas, na tecelagem e no trançado, e na própria arquitetura, através de figuras geométricas (zigue-zagues, linhas onduladas, espirais - contínuas e infinitas), de figuras zoomorfas (cobras, lagartos, tartarugas - que, além de sua forma, estão associadas à idéia de vitalidade e longevidade).
Trata-se de uma linguagem gráfica simbólica, equivalente a da figura antropomórfica em estátuas e estatuetas, onde se ressaltam cabeça, mãos e pés, seios, ventre, orgãos sexuais (todos considerados, de um modo geral, centros de força vitais). Elas expressam, do mesmo modo que os grafismos, aspectos relacionados ao tema da reprodução humana e à capacidade de produção do conhecimento necessário à perpetuação da espécie humana, mesmo que individualmente, venham a desempenhar funções e a expressar significados específicas(FIG 9).
FIGURA 9: Estatueta "akua-ba", arte ashanti, Gana, acervo MAE-USP
Temas como a fertilidade da mulher e fecundidade dos campos são freqüentes e quase que indissociáveis na expressão artística, estabelecendo a relação entre a abundância de alimento e a multiplicação da prole, um fator concreto em sociedades agrárias. O tema do duplo remete à relação de fatores complementares ou antagônicos (dia-noite, homem-mulher). Todas essas formas gráficas e representativas são um recurso para apresentar, sob forma material, um conjunto de idéias sobre a existência concebida visando ao equilíbrio e à perpetuação biológica e espiritual do grupo social.
Dizem que os africanos não tinham Deus, ou que tinham vários deuses, o que não parece ser muito preciso. Em quase todas as populações da África foram registrados depoimentos da criação do mundo, em que existe apenas um único "Deus". Trata-se de uma força primordial, um Criador que criou o Mundo e os Homens, colocou-os na Terra, e deixou-os ao seu Destino (FIG 10).
FIGURA 10: Topo de máscara, arte senufo, Costa do Marfim, acervo MAE-USP.
Essas histórias de origem podem ser chamadas de mitos porque se trata de seres não conhecidos em vida (que estão na memória coletiva), sendo por isso míticos, sem que se caia no erro de desconsiderá-los, como fizeram os ocidentais, como idéias sem valor científico e histórico. Tais mitos de origem comportam freqüentemente o relato de pares primordiais, de gêmeos ou duplas, que vieram para cultivar e povoar o mundo, e, muitas vezes, seres zoo-antropomorfos que, dotados da tecnologia (instrumentos agrários ou de caça), vieram para ensinar os Homens a produzir e obter alimento, para se multiplicarem, zelando, eles - os Homens -, pela sua própria permanência em vida.
Uma das diferenças dessas idéias com relação às idéias de mundo cristãs é a consciência de que cada ser que está presente no mundo tem seu papel, e que a força dos Homens é humana, e não divina. Daí a necessidade de uma relação constante com os antepassados, visando às futuras gerações. Esse pode ser apontado como um significado substantivo das várias formas de culto de ancestrais.
É por isso que a vida dos povos africanos é tida como muito mais ritualizada que no mundo cristão. O mundo material e o espiritual são concebidos juntos, quase que inseparáveis, o que implica em modelos de culto e religião completamente diferentes do que se adotou no Ocidente, que por sua vez serviu de modelo para outros povos formados na modernidade, como é o caso brasileiro.
Os Candomblés (são várias as formas como essa religião brasileira de origem africana se apresenta) conservam formas de culto muito próximas às de cultos tradicionais da África ocidental (sobretudo dos Fon e dos Ioruba), adotando emblemas, nomes e outras características de suas divindades (e, às vezes, das divindades dos povos de línguas bantu, ou dos chamados Bantos, da África central), bem como a hierarquia de poder iniciático (FIG 11 a 13).
FIGURA 11: Colar de babalaô, arte nagô, República Popular do Benim, acervo MAE-USP
FIGURA 12: Estátua de Iemanjá, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP
FIGURA 13: Opaxorô, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP.
Mas, numa aproximação ainda que a grosso modo, eles teriam uma estrutura de panteão, como a das religiões grega e cristã. Isso quer dizer que existe um Criador e uma porção de outras divindades articuladas em camadas subalternas. Os cultos tradicionais da África, por sua vez, voltavam-se, em linhas gerais, aos antepassados ou a divindades da Natureza. Neste último caso, poderia ser enquadrado o Culto de Orixás - apelação dada às divindades de origem ioruba ou nagô (os voduns, inquices e caboclos são divindades de povos africanos de outras origens) -, em que se baseiam a maioria dos candomblés, muito embora muitas dessas divindades celebram chefes políticos sacralizados, com uma qualidade divina, de uma localidade (ou reino) determinado, onde são considerados como antepassados.
Para concluir, grande parte da escultura antropomórfica seja da África ocidental, seja da central, é uma "presentificação" desses personagens míticos ou mesmo conhecidos em vida - antepassados fundadores de territórios, chefes de linhagem ou chefes eleitos renomados por feitos realizados durante seus governos. Em peças desse tipo transparece a grande relação entre política e religião, motivo pelo qual estátuas, bustos e cabeças, tendo uma força acumulada de vários níveis, não podiam ser vistas por todas as pessoas, se não os altos iniciados nos cultos, ou seja, aqueles que tinham status social e religioso, sendo que em muitas sociedades, o chefe político era também o sacerdote supremo.
E, neste final, resta a contradição: grande parte da arte africana, que tanto nos mobiliza o olhar pelo impacto estético, era feita, antes de ser tirada de seu contexto, para não ser vista, a menos que houvesse uma ocasião precisa para isso. Está aí está a demonstração da grandeza e do poder de uma cultura material, depositária não de segredos, mas de fundamentos, a serviço da história e cultura dos povos africanos, que dentro e fora de seu território original, continuam sua existência, formando novos valores, como acontece entre nós, no Brasil.
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